Revista de Jornalismo ESPM
26 JANEIRO | JUNHO 2020 panhas foramuma espéciedeprévia para a operação russa de desinfor- mação durante as eleições de 2016. Se as plataformas sociais tivessem ouvidomulheresnegras em2013, diz Mitchell, a dinâmica em2016 pode- ria ter sido muito diferente. Odano desproporcional infligido a comunidades de cor é razão sufi- ciente para levar a sério esses ata- ques.Oraciocínioecológicoaumenta essa seriedade ao enfatizar uma ver- dade simples: o destino de todos nós está conectado. Ondas de poluição que inundam grupos marginaliza- dos primeiro acabarão chegando a todos – e, quando chegarem, terão vastos recursos de pesquisa e desen- volvimento a seu dispor. Ao enfatizar as consequências da informação poluída on-line para quemé alvodela, opensamento eco- lógico mostra como ataques base- ados na identidade, meias verda- des e mentiras descaradas afetam corpos fora da rede. Mas os atingi- dos por toda essa poluição não são os únicos corpos dignos de consi- deração – igualmente importan- tes são os corpos que cobrem essa situação. No fim de 2017, entrevis- tei jornalistas para meu projeto Oxygen of Amplification , que traz uma série de recomendações para a cobertura de extremistas, mani- puladores e agressores na internet. Muitos desses profissionaisme con- taram de colegas que não podiam – ou simplesmente não queriam – entender a gravidade de campanhas de assédio e desinformação on-line devido à limitada experiência pes- soal que tinhamcomataques causa- dos por intolerância. Ouvi que jor- nalistas brancos (muitos dos que disseram isso eram brancos tam- bém) e, particularmente, quem era branco, homem, cisgênero e hete- rossexual tendiam a encarar tais problemas com uma atitude indi- ferente ou paternalista – como algo “interessante”, um enigma a solu- cionar, e não uma ameaça à saúde pública. Em certos casos, simples- mente não entendiam o que havia em jogo para corpos sob ameaça; ou, se entendiam, julgavamque sua responsabilidade pessoal começava e terminava com as matérias que publicavam. Ainda que o jornalista tenha boas intenções, essa cobertura alienada amplifica o abuso contra comunidades vulneráveis, norma- liza ataques fundados na identidade e garante que siga havendo danos. A propósito do impacto em pes- soas trans em particular, Gillian Branstetter, gerente de relações com a mídia da ONG americana Natio- nal Center for Transgender Equa- lity, fez uma analogia instrutiva: “Uma pessoa cis escrevendo sobre transfobia é como um visitante em um aquário olhando o tubarão do outro lado do vidro. Já uma pessoa trans escrevendo sobre transfobia seria mais como alguém nadando no oceano com o tubarão. Embora esteja mais consciente do perigo que aquilo representa, essa pessoa vai poder ter uma visão mais pró- xima e mais matizada do tubarão em seu habitat natural”. Para quem nada no oceano, esse tubarãonão é só interessante – e cla- ramente não é umenigma a solucio- nar. É a incorporação de uma ame- aça. Em certos casos, é questão de vida ou morte. E não é algo isolado. Quanto mais turva estiver a água pela poluição, mais perigos podem estar ocultos, à espreita — até que seja tarde demais. Essa é a conclusão final do racio- cínio ecológico. O maior erro que qualquer jornalista ou cidadão pode cometer é achar que não estamos inseridos no nosso entorno. Esta- mos todos imersosnele, sempre. Para que haja alguma esperança de um futuro diferente, devemos avaliar o ambiente, determinar emque ponto estão nossos corpos e perguntar: de quemaneira o que eu faço aqui afeta o que acontece lá? ■ whitney phillips é professora assistente de comunicação na Syracuse University, autora de This is why we can’t have nice things: mapping between online trolling and mainstream culture (2015) e coautora de The ambivalent internet: mischief, oddity, and antagonism online (2017) Para que haja alguma esperança de um futuro diferente, devemos avaliar o ambiente, determinar em que ponto estão nossos corpos e perguntar: de que maneira o que eu faço aqui afeta o que acontece lá?
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