Revista de Jornalismo ESPM
34 JANEIRO | JUNHO 2020 Reith, era filho de um pastor calvi- nista e encarava seu trabalho como um chamado quase que religioso. A missão da BBC era ser o “guia, filósofo e amigo” do cidadão britâ- nico, como escreveuCharlotteHig- gins emseu livro sobre a história da rádio, This New Noise (2015). Sob a tutela de Reith, a BBC foi porta-voz de um império que dominava vas- tas porções domundo; socialmente conservadora e altiva, chegava a ser moralista e maçante. Mas inventou o meio de comunicação de serviço público. Em1926, quandoumagreve nacional parou os jornais do Reino Unido, a BBC, que queria ser vista como independente, ganhou credi- bilidade ao dar espaço tanto para líderes do governo como da oposi- ção. Nas décadas seguintes, a emis- sora – rebatizada de British Broad- castingCorporation, em1927–mon- tou uma vasta operação jornalística internacional e virou uma das fon- tes de informação mais confiáveis do mundo. Essesmodelos, eoefeitoque tive- ram na sociedade da qual surgiram, servemde guia nomomento emque consideramosoutrarevoluçãotecno- lógica: a chegada da internet comer- cial. Trinta anos depois da invenção daWorldWideWeb, écadavezmais claro que há falhas consideráveis no modeloglobal.Aacadêmicaeativista ShoshanaZuboff chamaessemodelo de “capitalismo da vigilância”: um sistema no qual todo movimento e todo ato de usuários on-line é ras- treado, com a informação vendida a anunciantes. Quanto mais tempo as pessoas passam na internet, mais dinheiro empresas podem faturar – daí nossa atenção ser incessante- mente direcionada a telas digitais, para ser monitorada e monetizada. O Facebook e outras empresas cria- ram métodos sofisticados de coleta de dados que permitemque a publi- cidade seja precisamente dirigida a cada indivíduo de acordo com seus hábitos e preferências de consumo. Esse modelo teve um efeito invo- luntário: transformou redes sociais em fontes incrivelmente populares –segundoalguns,viciantes–deinfor- mações não reguladas e facilmente convertidasemarma.Atoresdemá-fé – de gente commotivação política a usinasdepropaganda, passandopelo governo russo – podem facilmente lançar mão de plataformas sociais para espalhar informações nocivas e falsas.Hoje, adesinformaçãoédis- seminadaemtodas asprincipaispla- taformas sociais. Em resposta a vulnerabilidades e a efeitosnocivos associados amídias sociais de grande escala, movimen- tos comooTimeWell Spent buscam obter o apoio de executivos e inves- tidores do setor de tecnologia para o quechamamde“tecnologiahumani- zada”. Sim, a tecnologia devia atuar a serviço da humanidade, não como uma ameaça existencial a sua sobre- vivência.Mas,diantedeumproblema tãogrande, nãoprecisaríamosdealgo mais criativo, mais ambicioso? Ou seja, algo como o rádio? O rádio foi a primeira mídia de serviço público – e segue forte até hoje. Talvez pre- cisemos deumnovomovimentopor umamídiadigital de serviçopúblico paracombater excessos e insuficiên- cias da internet atual. Anarrativadominanteparaocres- cimento daWorldWideWeb, a ver- são gráfica e fácil de usar da inter- net criada por TimBerners-Lee em 1989, é que seu sucesso foi fruto do capitalismo de risco do Vale do Silício em sua versão mais selva- gem. A tese hoje prevalente é que a internet avançamais nas mãos de startups que, bancadas pelo capital de risco, competem para oferecer serviços globalmente via monopó- lios divididos em categorias: Ama- zon no varejo, Google em buscas, Facebook emredes sociais. Embora essas empresas tenham gerado lucro imenso para seus fundado- res e investidores de primeira hora, o “capitalismo da vigilância” de seu modelode negócios produziudanos imprevistos. A discussão nacional sobre se o YouTube está radicali- zando espectadores, se o Facebook está espalhando desinformação e se oTwitter está banalizando odiálogo político também precisa conside- rar se estamos usando omodelo de negócios certo para erguer a inter- net contemporânea. Como no caso do rádio, omodelo atual da internet não é o inevitável. Mundo afora, surgirampelomenos duas outras possibilidades. Uma delas na China, onde o capitalismo sem amarras da internet nos Esta- dosUnidos é combinado comsuper- visão e controle rígidos do Estado. O resultado é completamente dife- rente do estéril rádio soviético: dis- cussões no WeChat ou no Weibo SHUTTERSTOCK
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