Revista de Jornalismo ESPM

REVISTA DE JORNALISMO ESPM | CJR 37 que a plataforma prioriza o “enga- jamento” – indicado pelo tempo passado no site e na interação com o conteúdo. Ou seja, a empresa tem um desincentivo para apresentar informações difíceis ou incômodas ao usuário. A principal razão para a desinformação chegar tão longe e tão depressa é que as pessoas gos- tamde compartilhá-la. O conteúdo que abre as maiores oportunida- des de engajamento – e, portanto, o conteúdo para o qual o Facebook vai dirigir nossa atenção – é aquele que reforça preconceitos existentes e inspira reações emocionais, seja ele veraz ou não. É possível imaginar uma rede social diferente? Uma rede proje- tada para incentivar a circulação de compreensão mútua, em vez de desinformação?Uma rede social que incentive a pessoa a interagir com gente com a qual possa ter diver- gências construtivas ou com mem- bros da sociedade cuja experiência de vida é radicalmente distinta da sua? Imagine uma rede social feita parapermitirquemoradoresdeuma cidade discutam projetos de lei e planos domunicípio antes de serem votados, ou que facilite o contato de imigrantes que vêm chegando com potenciais aliados. Em vez de prio- rizar só o engajamento, o sucesso de redes como essas seria medido à luz de novas conexões, discussões sustentadas ou opiniões mudadas. Uma rede dessas provavelmente seria mais imune à desinformação, poisocomportamentoexigidoparaa desinformação se alastrar – a trans- missão acrítica de informação de baixa qualidade – não é recompen- sado nessas redes como o é nas pla- taformas atuais. O que impede o surgimento des- sas redes?As críticas óbvias são, pri- meiro, que não seriam comercial- mente viáveis e, segundo, que não seriammuito utilizadas. Aprimeira é, quase com certeza, verdade. Mas é exatamente para isso que existem modelos de serviço público: para combater insuficiênciasdomercado. A segunda é mais complicada. Os dois maiores obstáculos ao sur- gimento de novas redes sociais atualmente são o Facebook e... o Facebook. É difícil tirar usuários de uma plataforma à qual já estão acostumados; e, se uma nova rede social pegar embalo, o Facebook provavelmente vai vir e comprá-la. Exigir interoperabilidade poderia ajudar. No momento, redes sociais competempela atenção do público, instando o usuário a instalar um software específico no celular para interagir comelas.Mas, assimcomo navegadores de internet permitema interação comqualquer site através deumamesma arquitetura, a intero- perabilidade significaria que pode- ríamos criar navegadores demídias sociais que coloquem redes sociais atuais, e novas, emummesmo lugar. A pergunta não é se uma mídia social pública é viável. A pergunta é se queremos que seja e o que que- remos fazer com ela. Para come- çar, precisamos imaginar intera- ções sociais digitais que sejamboas para a sociedade, e não corrosivas. Estamos tão acostumados à ideia de que mídias sociais estão abalando nossas democracias que não para- mos muito para pensar em como criar novas redes para fortalecer a sociedade. Precisamos de uma onda de inovação voltada a imagi- nar e a criar ferramentas cujameta não seja atrair nossa atenção como consumidores, mas conectar e nos informar como cidadãos. ■ ethan zuckerman é diretor do Center for Civic Media do MIT, professor associado no MIT Media Lab, autor de Digital Cosmopolitans (2013) e cocriador da plataforma de análise de mídia MediaCloud.org. Texto publicado na edição impressa da Columbia Journalism Review (fall 2019), disponível emwww.cjr.org ILUSTRAÇÃO: JAMES YANG

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