Revista de Jornalismo ESPM

REVISTA DE JORNALISMO ESPM | CJR 61 &Epidemias , de Jeanette Farrel (Ediouro, 2003). A varíola é provocada por vírus. Para ela foi criada a pri- meira vacina europeia, ainda no século 19, por isso a doen- ça é considerada extinta. Tam- bém o sarampo é viral e desde o fim do século passado tem vacina para ele. Poderia estar extinto, não fosse o fracasso de campanhas de vacinação e movimentos antivacina em vá- rios países. Nos últimos anos, surtos de sarampo foram re- gistrados na Ucrânia, em Isra- el, nos Estados Unidos, na Ve- nezuela e no Brasil, entre ou- tros pontos do planeta. Já a peste bubônica e a có- lera são causadas por bacté- rias, controláveis por antibi- óticos e saneamento básico. Ocorrem com frequência em diferentes países, inclusive ri- cos, por falta de saneamento básico e condições de higiene de áreas pobres. Ao destacar em seu texto o papel da desigualdade social na resistência das doenças causa- doras de epidemias, Miziara mais uma vez parece falar da atualidade: “É corriqueiro dizer que política, economia e saúde costumam andar de mãos da- das, muitas vezes com um viés autoritário”. Pois é. Segundo ele, a ideia de que o Estado deveria intervir na saúde pública surgiu na Alemanha, no fim do sécu- lo 18. Mas outros estudiosos das epidemias e suas histó- rias, como o patologista Pau- lo Saldiva (USP), atribuem a própria formação do Estado moderno, em substituição ao feudalismo medieval, co- mo uma reação à necessida- de de controle da mobilida- de social contra a “peste ne- gra”. Surgiu daí a imposição da necessidade de quarente- nas aos viajantes que chega- vam aos portos europeus, co- mo Saldiva explicou em Coro- navírus – O Dia em que a Terra Parou (Revista Sono, #21, jan/ mar 2020). No livro Do Mágico ao So- cial – Trajetória da Saúde Pú- blica , o médico e escritor Mo- acyr Scliar narra a interven- ção do Estado na contenção das epidemias de febre ama- rela, peste bubônica e varío- la no Rio de Janeiro, na vira- da do século 19 para o 20, sob o comando de Oswaldo Cruz como diretor-geral de Saúde Pública. Como hoje, parte da popu- lação reagia contra as medi- das de contenção das doen- ças: “Entre a população, havia muita desconfiança quanto à vacina. Dizia-se que podia ma- tar. Alguns sustentavam que a vacina era feita com sangue de rato”, narra o livro de Scliar. O resultado foi a chamada Re- volta da Vacina (1904). Tanto as medidas contra as doenças quanto a reação po- pular e a repressão do Esta- do tiveram sempre uma natu- reza que remetia a guerras, como destaca Susan Sontag em A Doença como Metáfora , ao apontar o uso insistente de palavras como “comba- te”, “invasor” e “inimigo” e ao apontamento de origens estrangeiras para definir a doença, como “gripe espa- nhola”, “pneumonia asiáti- ca” (a SARS) ou atualmente o “vírus chinês”, como o Co- vid-19 é chamado pelo presi- dente norte-americano Do- nald Trump. De todas as epidemias, provavelmente a mais aguda e mortal tenha sido a “gripe espanhola”, que, entre o se- gundo semestre de 1918 e o primeiro de 1919, matou mais gente do que toda a Primei- ra Guerra Mundial, o conflito mais mortífero da história da humanidade até aquele mo- mento. Ela, e não tanto o mo- vimento das tropas em com- bate, precipitou o fim daque- le conflito, em uma clara pro- va da “Lei de McNeill”. Seus efeitos devastadores na cida- de de São Paulo são narrados em um trecho dramático do livro A Capital da Vertigem , de Roberto Pompeu de Toledo. A história da “gripe espa- nhola”, que não era espanho- la, é tema de A Grande Gri- pe , de John M. Barry, e con- tém uma boa dose de espe- rança: quando 90 anos de- pois de assolar todos os con- tinentes, seu causador, o ví- rus H1N1, provocou um novo surto, sua letalidade se reve- lou menor. Quem sabe com o passar dos próximos anos, também o Covid-19 atenue sua capacidade de machu- car a humanidade. ■ FOTOS REPRODUÇÃO A Grande Gripe John M. Barry Ed. Intrínseca, 2020 AHitória e suas Epidemias Stefan Ujvari, Senac, 2003 A Capital da Vertigem Roberto Pompeu de Toledo Cia. das Letras, 2015 Coronavírus e o sono — O dia em que a Terra parou Revista Sono, edição 21 jan-mar 2020

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