Revista de Jornalismo ESPM
16 JULHO | DEZEMBRO 2020 No segundo semestre de 2019, no entanto, a coisa começou a mudar. A pauta do clima parecia estar mudandodepatamar: do lentoparao rápido. Até para omais recalcitrante dosmeios, ignorar os efeitos da crise começava a ser impossível. Inun- dações em Veneza e secas na Índia foramprato cheio para os jornais da noite. Chamas devastadoras naCali- fórnia e na Austrália figuraram no noticiáriomundo afora. Manifesta- ções de protesto e seus jovens líde- res viraramcapa de revista. Quando a jovemativistaGretaThunberg dis- cursou na Cúpula doClima daONU emNova York e proferiu seu “Como ousam?”, omundoe a imprensa esta- vam ouvindo. Embora tarde, a imprensa final- mente parece ter despertado para a triste realidade da mudança climá- tica. A questão agora é como con- tar a história. Temos como garan- tir que as tragédias que testemu- nhamos sejam contextualizadas e explicadas? Vamos apontar quem são os vilões da crise? Somos capa- zes de escrever sobre soluções para problemas semtrivializá-los? Como avançar rápido e devagar? Saber se a história do clima deve ou não ser contada é uma dúvida que já está resolvida. Deve, sim. O tema desta edição da CJR é como fazer este trabalho. Umanoatrás, frustrada comoper- sistente silênciodo jornalismo sobre odestinodomundonatural, aCJRse uniu à revista americana TheNation para lançar aCoveringClimateNow, uma iniciativa para incentivar uma cobertura maior e melhor da ques- tão climática. Pouco depois, o jor- nal britânico The Guardian virava nosso primeiro parceiro de mídia. Juntos, fomos buscar entender por quemeios de comunicaçãonão esta- vam fazendo mais — e como ajudá- -los a melhorar essa questão. Tentamos sermodestos emnosso pedido inicial. Sabíamos que poucas redações tinhamverba para contra- tar repórteres para cobrir a ques- tão climática e entendíamos que a complexidade da história — deva- gar versus rápida — jogava con- tra nós. Sugerimos, portanto, algo simples: que cada redação se com- prometesse amelhorar a cobertura por uma semana, tentando darmais notícias sobre o clima do que nor- malmente dariame, então, contar o que tinham aprendido. Partimos emabril, sob a liderança de Mark Hertsgaard, meu parceiro na iniciativa e hoje diretor execu- tivodaCoveringClimateNow. Deci- dimos fazer o experimento com a cobertura na segunda semana de setembro de 2019, durante a Cúpula doClimadaONU. No ínterim, fomos falar com editores e repórteres de redações ao redor do mundo. Des- cobrimos que havia amplo con- senso sobre a necessidade de mais cobertura. Poucos jornalistas (fora da bolha da extrema direita) nega- vam a importância da pauta do clima.Muita gente da equipe, sobre- tudo a ala jovem, vinha há tempos pressionando essas organizações a fazer mais. Ainda assim, meios de comunica- ção não se mexiam, por três gran- desmotivos. Oprimeiro é que havia uma visãoperniciosa, especialmente na televisão, de que cobrir a ques- tão climática era umato político que poderia afugentar o público conser- vador. O segundo ponto é que mui- tos meios estavam convencidos de que simplesmente não havia como incrementar a cobertura do clima quando já falta gente para cobrir áreas tradicionais como crime, jus- tiça e gestão municipal. E o ter- ceiro motivo é que muitos repór- teres simplesmente não sabiam por onde começar: não tinha pre- paro para poder interpretar o lado científico da questão, tinha difi- culdade para encontrar um ângulo local para uma narrativa global ou não via como conectar a mudança climática com tudo aquilo que já cobria diariamente. Naprimeiraquestão, esperávamos Devemos ao público, e à nossa consciência, um agir commais reflexão. A mudança climática é a história de nossos tempos. O jornalismo será julgado pela forma como narra essa devastadora realidade
Made with FlippingBook
RkJQdWJsaXNoZXIy NDQ1MTY1