Revista de Jornalismo ESPM

REVISTA DE JORNALISMO ESPM | CJR 21 sidente, estava na Times Square fazendo uma live no Facebook sobre a reação dos turistas à notícia. Tive a sensação de que era algo tão inútil quanto qualquer reportagem sobre o clima que eu fizera. O medo do futuro tomou conta demim–medo não só pelo clima, mas tambémpela democracia. Pela primeira vez na vida adulta, questionei o caminho que tinha escolhido. Meses depois, deixei a Sinclair. Eusabiaaverdadesobreamudança climática. Ea verdade é que o tempo estavaseesgotando.Onovopresidente americanoea indústriadecombustí- veis fósseis que ajudoua elegê-lonão estavam nem aí se pessoas, animais e ecossistemas sofressem e morres- sem. Nesse rol de pessoas, animais e ecossistemasnãoestavamsóosmem- bros mais vulneráveis da sociedade, mas tambémeueaquelesqueeumais amava. Quanto mais pensava nisso, mais percebia que não estava depri- mida, estava revoltada. Decidi que a partir dalimeu traba- lhoseriamovidopelapaixão, nãopela obrigação. Com um negacionista da mudança climática instaladonaCasa Branca, uma fria apresentação dos fatos não iria bastar. Aceitei um tra- balho para cobrir a crise climática na NewRepublic ,ondeteriadeaprender a expor o que eu sentia nas páginas. No início, foi estranho. Em maio de 2017, escrevi um texto no qual chamava Scott Pruitt – o político republicano que acabara de ser ins- talado no comando da Agência de ProteçãoAmbiental americana – de “mentiroso hipócrita”. Meu editor me garantiuque nãohavia problema em usar esses termos – afinal, era o que os fatos sobre Pruitt mostra- vam. Acabei me acostumando. Com o tempo, me sentia cada vez mais confiante no papel de árbitromoral, não sóde apuradora de informações. Àmedida que cultivava minha voz, a dor que o assunto me causava se transmutou em revolta emeu texto foi ficando melhor, mais sincero e mais gratificante. Semcontar que o trabalho finalmente despertou inte- resse nas altas esferas. Isso posto, não sentia que estava chegando ao público em geral – a NewRepublic é uma revista cabeça, queparamuitos leitorespodeser ina- cessível. E, embora estivesse comen- tando o trabalho de reportagem de outras pessoas, não tinha aoportuni- dade de ir investigar, por conta pró- pria, as forças que me deixavam tão revoltada na questão da mudança climática: os mandachuvas, as emi- nências pardas, os operadores polí- ticos. Em setembro de 2019, saí da NewRepublic para lançar meu pró- priomeio, anewsletterdiária Heated . A cobertura da Heated mostra como os donos do poder deixam na mãoosvulneráveis.Umareportagem escancarouahipocrisiade empresas que se declaram sustentáveis e, ao mesmotempo, financiamcampanhas depolíticosnegacionistas.Umaoutra expôs o discurso sobre a questão cli- máticasugeridopelapetrolíferaChe- vrona seupessoal.Uma investigação sobre como uma política de publici- dadeanunciadapeloTwitteremoutu- bro beneficiaria a indústria de com- bustíveis fósseisprovocouumdebate nacional; no caso, o Twitter acabou mudando as regras. Finalmente eu causava impacto de verdade. “Sem revolta, o conhecimento pode virar mero ceticismo e mera apatia”, escreveu o jornalista Jack Newfield, do VillageVoice . “Arevolta trazmais lucidez, persistência, audá- ciaememória.”Éassimqueos jorna- listas de ontem deixaram sua marca – e é assim que deixaremos a nossa agora. Há pouco, pedi a meus leito- res que dissessempor que gostavam ou não da Heated . Recebi 111 res- postas e tabulei todas. Um total de 84 pessoas, ou 77%, disse que gosta do novo tom – envolvido, em vez de neutro–da abordagemàquestãocli- mática. Seis disseram que isso fazia com que se sentissem “menos sós”. Descobri que, para ter impacto no jornalismo climático, preciso con- vertermeudesespero emrevolta. Só assim para os outros sentirem a fla- mante importância dessa história. ■ emily atkin é autora e fundadora do Heated , um boletim diário que divulga notícias e análises sobre a crise climática “À medida que cultivava minha voz, a dor que o assunto me causava se transmutou em revolta e meu texto foi ficando melhor, mais sincero, gratificante e até despertou o interesse nas altas esferas” Texto publicado na edição impressa da Columbia Journalism Review (spring 2020), disponível emwww.cjr.org

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