Revista de Jornalismo ESPM

28 JULHO | DEZEMBRO 2020 mento de óleo a qualquer minuto”, disse.“Dobraracapacidadevaidobrar nossaangústia.”Foiprecisoquaseseis horas mais para registrar o depoi- mento de todo cidadão Lakota pre- sente, oque fez da audiência pública amais longadahistóriada comissão. Enquanto isso, emWashington, corria o inquérito para o impeach- ment de Donald Trump. Na visão da imprensa nacional, era a única audiência que importava. Salvo por um rápido relato feito pela sucur- sal regional da Associated Press, a sessão do DAPL – continuação de um episódio mundial que escan- carou o racismo ambiental, o des- respeito a um tratado indígena e o conluio do governo com um pro- jeto privado de energia – foi total- mente ofuscada pelo imbróglio Donald Trump. Jornalistas estavam perdendo um momento crucial para o povo de Standing Rock, supostamente tão importante quanto o da resis- tência em 2016. Com isso, a grande imprensamantinha o padrão típico na cobertura climática – no qual o trabalho consistente de jornalismo ambiental perde para a cobertura imediatista de eventos climáticos extremos. No casodeStandingRock, não foi diferente. A imprensa só foi à reserva depois que a polícia lan- çou jatos de água contramanifestan- tes em uma noite com temperatu- ras abaixo de zero, um episódio tão revoltanteque ficou impossível igno- rar a resistência contra o oleoduto. O desdém também expôs a visão míope damídia, sua obstinada resis- tência a enxergar a importância do lado indígena dos fatos. Na discus- sãosobreamudançaclimática, pouca atenção é dada a gente que possui sabedoria sobre o manejo da terra. Os trágicos incêndios na Austrália, previstos há anos pelos aborígines, são um exemplo recente. Outro exemplo é o da hondure- nha Berta Cáceres, ambientalista indígena assassinada em março de 2016, pouco antes dos protestos con- tra o DAPL. Estive comCáceres no começo daquele ano em La Espe- ranza, onde buscara refúgio diante deameaçasdogoverno. Tentei escre- ver sobre o caso, masminhas suges- tões de pauta foram rejeitadas; só depois de sua morte os editores se interessaram pela história. Até hoje, sou atormentada pela ideiade quedevia ter insistindomais na pauta antes do assassinato.Meses depois, quando fui a Standing Rock, exigi desde o início que os editores reconhecessem a importância das manifestações. Amorte de Cáceres deixara algo claro paramim: a invi- sibilidade e a violência infligidas a povos indígenas são inseparáveis do estrago infligido ao planeta. Standing Rock é o exemplo mais vívido, na história recente, do elo entre a extração agressiva de recur- sos naturais na América do Norte e a brutalidade humana, um padrão documentado desde a época da corrida do ouro na atual Califór- nia, na década de 1840. Lá, como hoje, mulheres emeninas sofreram o grosso do abuso. Na fronteira de reservas indí- genas com os campos de petróleo de Bakken, na Dakota do Norte, a chegada de centenas de trabalha- dores do setor de petróleo e gás em meados da década de 2000 – vivendo eminstalações temporárias comumente chamadas de “acam- pamentos de homens” – produziu um dramático aumento de casos de estupro, tráfico sexual e desa- parecimento e morte de indígenas americanas. Em 2016, a violência chegou a tal ponto que o FBI abriu um posto avançado na região. Foi só no último ano que o desproporcional índice de violência de gênero em territó- rio indígena finalmente recebeu, da mídia, a atenção que merece. Só que mais cobertura, seja qual for o assunto, não é garantia de jorna- lismo de qualidade. Poucas publi- cações (se é que alguma) denuncia- ramaNaçãoMandan, Hidatsa eAri- kara pela conivência como abuso de mulheres das três tribos no Bakken – ou revelaramque o grosso da pro- “Quem acreditaria na fantástica e terrível história da nossa sobrevivência; aqueles que nunca deveriam sobreviver.” Joy Harjo, cidadã da nação Muscogee Creek Texto publicado na edição impressa da Columbia Journalism Review (spring 2020), disponível emwww.cjr.org

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