Revista de Jornalismo ESPM
62 JULHO | DEZEMBRO 2020 INDÚSTRIA DA MÍDIA O submundo das mídias sociais e suas origens JÁ ANTES DA ELEIÇÃO DE Donald Trump, em 2016, os es- tudiosos de mídia se preocu- pavam com o poder das cha- madas novas mídias sociais para influenciar segmentos da opinião pública. A revela- ção cabal da capacidade iné- dita de manipular a psicologia de massas surgiu com a vitória do Brexit no Reino Unido (uma campanha criada por pressão de uma minoria nacionalista conservadora, que venceu o plebiscito contra a opinião da maioria pró-Europa) e a elei- ção de Donald Trump sobre Hillary Clinton, nos Estados Unidos, quando o republica- no perdeu no voto popular e levou no colégio eleitoral gra- ças a uma campanha com o uso intensivo, ardiloso e até criminoso de algoritmos e in- teligência artificial. A eleição de Jair Bolsonaro, no Brasil, em 2018, já foi uma espécie de crônica da tragédia antecipada pelas duas histó- rias anteriores. Só não sentiu o terremoto quem não estava com os pés no chão. A origem e os métodos que constituem o poder das redes sociais para influenciar a opi- nião pública estão descritos de forma complementar em dois livros lançados no auge da pandemia, que formam juntos uma trajetória do que ocorreu com o ecossistema midiático. Jornalismo em retração, po- der em expansão (Summus), de Ricardo Gandour, traça o cenário econômico que levou à decadência das empresas tradicionais, que haviam im- perado por cerca de 150 anos na indústria da comunicação, com decorrente recuo da im- prensa como espaço de deba- te da chamada esfera pública. Gandour é jornalista, profes- sor de jornalismo na ESPM e até recentemente foi diretor de jornalismo da Rádio CBN. O livro é fruto de uma disserta- ção de mestrado na Escola de Comunicações e Artes (ECA) da USP e uma pesquisa rea- lizada na Universidade de Co- lumbia (EUA). Com o subtítulo A Segunda Morte da Opinião Pública , o es- tudo mostra como a retração da imprensa abriu espaço pa- ra a irrupção do caos político e comunicativo das redes sociais. Entre outros exemplos desse movimento, ele mostra como os políticos reduziramo tempo dedicado aos veículos de im- prensa para mergulhar na mi- litância das redes sociais. Já A máquina do ódio: no- tas de uma repórter sobre fake news e violência digital (Cia. da Letras), de Patrícia Cam- pos Mello, mergulha no fun- cionamento interno dessas novas plataformas de mídia para obter influência política. No livro, a mais premiada jor- nalista brasileira dos últimos tempos amplia a reportagem que fez durante o período elei- toral, quando mostrou como a campanha de Bolsonaro usava intensamente disparos ilegais de mensagens, pagas com cai- xa 2 de empresas, para atin- gir seus eleitores e indecisos. A reportagem, publicada na Folha de S.Paulo dez dias an- tes da eleição rendeu a Patrí- cia uma perseguição real, na- da virtual, criminosa e abjeta, que ela descreve tambémno li- Jornalismoemretração, poderemexpansão:a2ª mortedaopiniãopública RicardoGandour – Editora Summus, 2020, 120 páginas vro para mostrar que as plata- formas digitais são apenas um dos recursos usados por mi- lícias, fascistas e pelo núcleo original do bolsonarismo, pa- ra controlar o cenário político, em meio a uma lista de armas convencionais, como a amea- ça física, a difamação e o as- sédio judicial. Se para a maioria dos ob- servadores as redes sociais se afirmaram como mecanismo poderoso entre 2014 e 2018, para Patrícia a revelação sur- giu bem mais cedo: como cor- respondente nos Estados Uni- dos e em diversas coberturas internacionais, ela acompa- nhou o crescimento do po- der de influência dessas no- vas mídias em sucessivas eleições que cobriu: nos Es- tados Unidos, em 2008, 2012 e 2016; na Índia, em 2014 e 2019. Ao longo de 26 anos de carreira, ela realizou inúme- ras coberturas marcantes, in- cluindo as guerras do Afega- nistão e do Iraque e a epide- mia do Ebola, em Serra Leoa. Em 2018, foi uma das perso- SHUTTERSTOCK DIVULGAÇÃO
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