Revista de Jornalismo ESPM

64 JULHO | DEZEMBRO 2020 a pauta do meio ambiente na imprensa tupiniquimtradicionalmente ia pouco além de apelos genéricos pela“preservaçãodafaunaedaflora”. Tentar aprofundar isso já era visto, por essa mesma imprensa, como coisa de “ecochato” – ou tema de um ramo obscuro dentro do “jornalismo científico”, relegado a espaços pouco nobresdonoticiário,emquecientistas alarmavam os cidadãos comuns com visõesmeioapocalípticasedeclarações comares de fimdos tempos. Acoberturafoimaisoumenosassim atéjunhode1992,quandopelaprimeira vezseabriuespaçodeverdadeparaos assuntosambientais.Etudograçasao fato de a cidade doRio de Janeiro ter recebido a Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente e o Desenvolvimento, a Eco-92. ForamdezenasdechefesdeEstado presentes,coberturamundialefontede enormefrissonnamídiabrasileiraem tornodotema–quesaíadasnotinhas derodapéparaganharmanchetes.No Rio, duas importantes convenções foramaprovadas: adabiodiversidade eadasmudançasclimáticas–que,em 1997, levaria ao Protocolo de Kyoto. Apesar do burburinho e de defini- tivamenteotema terconquistadoum poucodeespaçonacobertura(comjor- nalistas se“especializando”notema), o saldo positivo foi umpoucomenor do que o que poderia ter sido. Enxergando potencial no tema, a Editora Azul (criada em 1986 a par- tirde títulosnegociadospeloex-sócio da Abril Ângelo Rossi comos Civita) lançavasimultaneamenteaoeventoa revista OsCaminhosdaTerra –oucari- nhosa e simplesmente Terra , da qual tive ahonrade ser diretor de redação entre 1999 e 2001, período em que a publicação esteve de volta ao portfó- lio da Abril. Pela primeira vez se colocava nas bancas, todos os meses, uma publi- cação que cobria o tema ecologia e meio ambiente de maneira acessível aopúblico. Esse foi omaior acertoda revista–queainda,comosugeriaoseu próprio nome, caminhava pela Terra em busca de lugares em que o show era a natureza. Naesteiradessapublicação,grandes jornalistase iniciativas surgirampara redesenhar a cobertura do assunto, comoaAgênciaEnvolverde,criadapor DalMarcondesem1998,ouotrabalho desenvolvido desde 1996 por André Trigueiro, na Globonews. De lá para cá, muita coisa mudou: os veículos pararam de tratar o tema como chato ou desinteressante (ou aprenderam a vê-lo de forma dife- rente), começaram a fazer sua rela- ção com as demais editorias (econo- mia, principalmente) e a dar espaço para personagens que anunciavam mudanças climáticas. Porém a mudança definitiva de status “ecochato” ou de “maluco do Greenpeace” para ativista ambiental (enãosónoBrasil)veioem2006,com CREDENCIAL JORGE TARQUINI Ponto de inflexão o documentário Uma verdade incon- veniente , de Al Gore. E não era mais coisa de esquisito ou pauta desinte- ressante,masde“modernoseantena- dos”.Derepente,omundotodo(Brasil esuaimprensaincluídos)abriuespaço para o assunto. Asmudanças climáti- cascomeçaramaser temaatémesmo dos almoços em família. Estávamos na segunda década do século 21 (e já ia longe a Eco-92 e o lançamento da Terra ). A internet e as redes sociais já estavam cumprindo sua vocação: a polarização binária, que envenenou o debate político e abriu espaço para questionarem, até, se a Terra é redonda. E as mudanças climáticas se tornaram, como tudo o que “cai nas redes”, uma questão de FlaxFlu,decontraouafavorou(mais apavorante)deacreditarounãonelas. Foi aí que a imprensa e os veículos se perderam levemente: ao entrar na discussão pueril das redes sobre “acreditar ou não” no aquecimento globalenasmudançasclimáticas.Essa nãoeraapauta–mas simsuascausas, seusefeitoseoqueseestáfazendopara evitar suas consequências. Aascensãode líderesnegacionistas emdiversaspartesdomundoajudaram a desviar o foco, não há dúvida – e era papel da imprensa “voltar ao básico”, ajudando a esclarecer e restabelecer pontosquejásetinhamcomopacíficos. Com a pandemia, 2020 se tornou um ponto de inflexão para as ques- tõessobreamudançaclimática.Estar- mos no olho do furação de umevento assustadoremescalamundialnosdeu achancedeentender(finalmente)que não é tão difícil algo ruim acontecer emescala global. Seja umvírus, sejam asmudanças climáticas. Entre erros e acertos,mesmosoandocabotino,ouso dizer: estamos no caminho certo – e fazendo,novamente,umbomtrabalho. ■ jorge tarquini é docente no curso de graduação em jornalismo da ESPM-SP

RkJQdWJsaXNoZXIy NDQ1MTY1