Revista de Jornalismo ESPM

6 JULHO | DEZEMBRO 2020 la velocidade que nósmesmos imprimimos à economia, à vida e ao planeta. Revista de Jornalismo ESPM – Muitos estudos e especialistas indicam que, após a crise do coronavírus, uma gran- de parte da população irá mudar seus hábitos em relação à sustentabilidade. Você acredita nisso? Krenak– Não. Entramos no século 21 coma mesmamentalidade e padrões adotados no século 20. Nós fomos avisados que o plane- ta estava sofrendo como aquecimento glo- bal, mas não levamosmuito a sério o anún- cio e boa parte de nós começou a embar- car na ideia do negacionismo, como uma saída, uma desculpa para evitar uma pos- sível mudança de comportamento. Recen- temente, a antropóloga e historiadora Li- lia Schwarcz escreveu Quando acaba o sé- culoXX , um texto quemostra como o sécu- lo 20 invadiu o século 21, uma vez que exis- te um descompasso entre o pensamento, comportamento e as escolhas das pessoas diante de uma realidademarcada por uma crise social, econômica, ambiental, cultural, moral e de saúde. O século passado foi mar- cado por uma série de conflitos de escala global. A guerra invadiu o campo da expe- riência da vida e virou uma espécie de mo- tor para a vida. A sociedade moderna se embala a rajadas de metralhadoras, mís- seis e bombas. Tivemos a destruição de vá- rias regiões da Terra e não prestamos aten- ção que essa bagunça dos humanos esta- va afetando a biosfera, o organismo vivo da Terra. Isso significa que nos tornamos uma praga na medida que não considera- mos as outras vidas existentes no planeta. De todas as espécies que vivem na Terra, nós somos a bandalha mais alucinada. Es- tamos destruindo o planeta e marchando para a sexta extinção em massa no plane- ta. É o que a Greta Thunberg está dizendo: “O mundo dos adultos traiu e roubou o fu- turo das novas gerações”. Revista de Jornalismo ESPM – Há cinco anos, os Krenak vivem como “refugiados em seu próprio território” nas margens do rioDoce, que em2015 foi atingidopelo rom- pimento da barragemde Fundão, damine- radora Samarco, no município de Mariana (Minas Gerais). Que futuro você enxerga pa- ra o seu povo e para o planeta? Krenak – A chance de mudarmos é mí- nima, mas isso é o máximo. Basta olhar a história da Arca de Noé. Quando tudo estava demais, veio o mínimo e só so- brou uma família de cada espécie. Nos acostumamos a pensar que nós, a hu- manidade, somos a maioria, uma unani- midade acachapante. Mas, e se estiver- mos prestes a desaparecer e sobrar um mínimo de pessoas para que o planeta possa se regenerar? Neste caso, a saída é o mínimo. O máximo seria 7,5 bilhões de pessoas sobreviverem à covid-19 e à crise economia-política e global. E ain- da sairmos disso pensando em uma hu- manidade solidária, humanitária, capaz de colaborar, não racista, não egoísta... Aí não vai ser mais a humanidade que conhecemos! Imaginar que a população mundial fará uma conversão amorosa e colaborativa em uma parceria bacana é como acreditar em um milagre interpla- netário. A questão aqui não é o milagre em si. Mas se a gente merece esse mila- gre! É como sugere a previsão do antro- pólogo Claude Lévi-Strauss: os humanos apareceram na Terra quando já existia vida por aqui e muito provavelmente o planeta continuará existindo depois que os humanos desaparecerem da Terra. É desnecessário ficar achando que somos essenciais, porque algumas humanida- des antes de nós já existiram, floresce- ram e acabaram! Revista de Jornalismo ESPM – Em seu li- vro Ideias para adiar o fimdomundo , você aborda o tema e alerta sobre o crescimento em todo mundo de uma “intolerância mui- to grande com relação a quem ainda é ca- paz de experimentar o prazer de estar vi- vo, de dançar, de cantar” e afirma que sem uma transformação profunda nos tornare- mos uma humanidade de “zumbis”. Como evitar essa tragédia anunciada? Krenak– Essa intolerância comquemquer viver em um lugar com uma bica de água limpa é uma realidade! As pessoas estão tão imersas neste mundo predatório que não conseguemenxergar o óbvio. Dos pro- fetas que o Alejadinho construiu emCongo- nhas (MG), o que considero mais chocante é Jeremias, um chinês que dizia algo pare- cido com isso: quando você anuncia o que está vendo, não temo poder de fazer aquilo acontecer. É só uma poesia indescritível. O “O papel do jornalismo foi diluído. O que temos hoje é o domínio de grandes agências de notícias a serviço do sistema financeiro global e distribuindo para o mundo um tipo de informação que manipula”

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