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TENDÊNCIAS REVISTA DA ESPM | JULHO/AGOSTO/SETEMBRODE 2020 18 durante a quarentena: cadeiras, sofás, almofadas, toalhas, lençóis, travesseiros, pijamas, conjuntos de moletom, cremes corporais, cosméticos faciais, cortinas, objetos de decoração, elásticos e tapetinhos de ginástica, lumi- nárias, câmeras digitais, internet mais rápida, impres- soras, televisores, videogames, plataformas de strea- ming . Da mesma forma que itens relacionados ao sair à rua perderam sua importância: perfumes, maquiagem, sapatos, roupas novas, joias, relógios, bijuterias, óculos de sol (praticamente incompatíveis com as máscaras), barrinhas de cereal, isotônicos. Mas nada, entretanto, faz supor que, quando a vida vol- tar a um patamar razoável de normalidade, as pessoas vão andar por aí demeia e chinelo, ou vão dispensar defi- nitivamente as colônias e os batons. É ingênuo acreditar que as mudanças ligadas ao consumo vão se dar dessa forma ou nessas esferas. Não é tão simples assim. E o fato é que não há pandemia que faça extinguir os profundos e arraigados sentidos da diferenciação social, do perten- cimento, da busca pela beleza e pela autoestima, da con- quista, da indulgência, enfim, de tudo aquilo de abstrato e simbólico que vemmovendo o mercado, o consumo e a humanidade há tanto tempo. O que vai determinar os novos padrões de consumo no pós-pandemia são as situações que estamos vivendo neste momento atual, sobretudo dentro de casa. Um exemplo disso está relacionado às situações que envolvem o tempo. Não foi por acaso que aventuras no campo da panificação tenham sido tão recorrentes. Para alémdos sentidos de afeto,conforto e sobrevivência que o pão encerra emseumiolo,o ato da sova damassa,a espera pela fermentação e o controle do tempo e da temperatura no forno têm aspecto simbólico especial. Expressam um rearranjo entre homem, tecnologia e natureza. As recei- tas mais ousadas e descoladas buscadas rapidamente na internet e o compartilhamento instantâneo em redes sociais das fotos dos pães depois de prontos dão início e finalizamumprocesso que agora inclui o agir natural das leveduras e o aquecer paulatino do forno. O que significa que a aceleração e a instantaneidade não aniquilaram completamente a paciência e o prazer da espera. Quere- mos tudo para agora, como sabem bem as empresas de venda on-line — quase todas, hoje, portanto — e os aplica- tivos de entrega. Mas até que ponto não estamos dispos- tos a nos conectar positiva e afetivamente com marcas e produtos por meio dos seus processos de desenvolvi- mento, fabricação e preparo? O consumidor parece estar disposto a participar cada vez mais desses processos, de modo que produtos e serviços capazes de envolver seus clientes nessa ritualística do preparo e do fabrico tendem a ter seu valor ampliado, oferecendo sentidos de humani- zação, personalização e afetividade. É interessante pensarmos também nos impactos da pandemia no que diz respeito às ocasiões de consumo. É assumir uma visão superficial e limitada simplesmente dizer que, com o confinamento, as ocasiões de consumo foramdrasticamente reduzidas — bares, boates, casas de show e restaurantes fechados. Isso todo mundo sabe. O que não pode escapar à nossa atenção é o fato de,mesmo dentro de suas casas, as pessoas estarem atribuindo novos significados aos seus momentos de consumo, o que, no futuro próximo, representará grande oportuni- dade — e desafio — às empresas. Não é que vamos conti- nuar preferindo brindar em casa comos parentes ou que nunca mais vamos querer voltar aos restaurantes junto com os amigos. Claro que não. Mas o que estamos pra- ticando em casa neste momento vai determinar os sen- tidos que vamos esperar das ocasiões de consumo nos próximos tempos. Por exemplo: o clima de total informalidade e a atmos- fera do à vontade das refeições emcasa podem fazer com que bares, por mais bem decorados que sejam, pareçam impessoais demais, formais demais. As misturas inusi- tadas entre pratos e bebidas, típicas dos almoços e dos jantares em família, podem transformar em autoritárias as harmonizações e as combinações propostas por che- fes e cardápios. O controle absoluto sobre a música que se ouve, o programa de TV a que se assiste ou à live que se acompanha pode fazer com que espaços de consumo menos abertos à participação do público na sua configura- çãomidiática sejamreconhecidos como desinteressantes. Isso sem falar no próprio preço. Qualquer um que tenha experimentado pela primeira vez na pandemia preparar O trabalho será valorizado pelo tempo que deixa livre. O sentido não mais estará na flexibilidade e sim no que se pode fazer além do trabalho

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