Revista da ESPM JUL_AGO_SET 2020 web
JULHO/AGOSTO/SETEMBRODE 2020| REVISTADAESPM 21 O consumidor mais consciente espera hoje das empresas primeiro a ação, depois a fala; antes o fazer, depois o anunciar e grandes empresas ajam efetivamente para dar conta das questões mais complexas do nosso país. Ficou mais claro para o consumidor que há empresas que precisam de ajuda — comércio local, iniciativas de empreendedo- res menores, pequenos estabelecimentos, lojinhas, res- taurantes, bares — e empresas que precisam ajudar —, bancos, grandes corporações, grandes redes de varejo. Ajudar no sentido amplo: as pessoas, os governos e as outras empresas, produzindo materiais necessários ao combate da doença, mantendo os preços sem reajuste, oferecendo novas possibilidades de pagamento, promo- vendo outros negócios da cadeia etc. E sempre tomando cuidado,porque o consumidor,no contexto da pandemia, está commais tempo para pesquisar, estámais atento ao cenário que o circunda e estámenos disposto a ser enga- nado ou sofrer qualquer tipo de perda. Daí que a relação entre o discurso e a prática nunca tenha exigido dos gestores tanta atenção. Foi-se o tempo em que o falatório supostamente engajado bastava para as pessoasmudaremsua forma de enxergar determinada marca.A rigor,o consumidormais consciente espera hoje das empresas primeiro a ação, depois a fala; antes o fazer, depois o anunciar. No fim das contas, é com esse tipo de indagação que o empresariado de agora emdiante vai ter que lidar.Crescerãoosquestionamentosacercadas respon- sabilidades e dos compromissos que assumemas empre- sas.Otempo anunciadodécadas atrás pelos estudiosos do consumo,aquele do esvaziamento simbólico da política e doEstado,comasmarcas assumindo a centralidade insti- tucional dasociedade,finalmentechegou.Epermanecerão relevantes e sobreviverão à tormenta aqueles que, neste contexto, assumirem posturas efetivamente comprome- tidas com o bem-estar das pessoas. Ninguém espera que empresas viremONGs oupretende recusara lógica capita- listaouas leis do consumo.Mas o fatoéque apandemiada Covid-19 fezverque,alémdeconsumidores empoderados, somos também seres humanos vulneráveis. E as marcas que conseguiremse dirigir às pessoas nessa sua condição mais ampla, agora mais evidentemente explicitada, são aquelas que, quando tudo isso passar, serão vistas como participantes ativas na definição e na construção daquilo que venhamos a ser no futuro. Não, umvírus propriamente não ensina ninguém.Nós é que podemos aprender comele — se quisermos. Já fica- rampara trás os primeirosmeses de coronavírus,aqueles meses demedos, angústias, incertezas, sofrimentos, tris- tezas e adaptações.As ruas vazias,os panelaços na janela, a quimera de que no futuro seríamosmais solidários,tudo isso vai sendo apagado damemória das pessoas. As filas já se formamnovamente à porta das lojas de celular e dos restaurantes,as aulasde “bike” jáestãosendo reagendadas nas academias, os abraços e os beijos perdemaos poucos o cheiro e o sabor de veneno. E, por mais arriscado que tudo isso ainda possa ser, pormais que precisemosman- ter certos cuidados e certas limitações, vai ficando claro que qualquer transformação que se possa esperar como efeito da pandemia só existirá pela experiência. Não se alcança umnovo entendimento da realidade sempassar primeiropela sensibilização e depois pela experiência.De modo que as tendências efetivamente provocadas,altera- das ou aceleradas pela pandemia daCovid-19 são aquelas que brotam do que as pessoas sentiram ao longo desses meses, que nascem do que vivemos e estamos vivendo concretamente durante a quarentena. Novos comportamentos, novos hábitos de consumo, novos critérios de avaliação dasmarcas, novos atributos valorizados nos produtos, novas hierarquias de priorida- des,novos desejos: tudo isso vai dependerdos novos valo- res que se instauraremna sociedade daqui para frente.E é fundamental que sepercebaqueadefiniçãoeaconstrução desses valores sempre passaram, continuampassando e vão passar ainda mais pelo que dizem e pelo que fazem as marcas. Assim, o pensamento adequado aos que tra- balhamcommarketing, comunicação e publicidade não deve ser o de adivinhar as tendências e simplesmente segui-las. E, sim, o de entender que novas formas de vida surgem a cada instante e que o nosso trabalho é com- preender sensível e racionalmente essa complexidade e participar da projeção do futuro que queremos para nós. Bruno Pompeu Publicitário, sócio-fundador da Casa Semio e professor dos cursos de publicidade e propaganda da ESPM e da ECA-USP
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