Revista da ESPM JUL_AGO_SET 2020 web
SOCIEDADE REVISTA DA ESPM | JULHO/AGOSTO/SETEMBRODE 2020 26 relativamente estável e dispunhamde privacidade, isto propiciouuma condiçãode reflexão sobre a própria vida. Aquarentena nosmostrou uma espécie de caricatura da vida que já vivíamos, tornandomais visíveis algumas de suas condições que, talvez, passassemdespercebidas. Aqueles que viviam sozinhos viram-se de forma mais extrema emsua solidão; quemvivia emfamília passou a ter umgrau de convivênciamuito superior. Umdemeus pacientes formuloubemno iníciodapandemiaaseguinte pergunta: “comquemvocê quer passar a próxima pande- mia?”. Esta questão, ainda que emtomcômico, expressa o quanto nos confrontamos de forma mais direta com nossas escolhas de vida. Desejamos seguir comomodo de viver que temos? Demo-nos conta de que não? Alguns demeus pacientes passarama fazer suas ses- sões dentro de seus carros, na garagem; e estemomento era celebrado como a única hora sema presença da famí- lia. Nunca conversamos tanto com os companheiros e familiares como neste período. E esta experiência foi ao mesmotempomaravilhosaeexaustiva.Ganhamosnovos graus de intimidade e, ao mesmo tempo, nos sentimos cansados, ansiando por espaço e tempo de privacidade. E, inevitavelmente, as pessoas mais próximas também acabaramsendooalvodadescargadenossa insatisfação. Umcapítulomuito especial edifícil desteperíodo foi o fato de os pais terem tido que participar de formamuito ativa na condução dos estudos dos filhos, mesmo nas escolas que conseguiram se estruturar para o ensino on-line. Aescola é umaponte douniverso familiar para o meiosocialmais amplo. Emgeral, as famílias semantêm a alguma distância dos projetos pedagógicos. Durante a quarentena, os pais foramconvocados a acompanhar as aulas e estudos dos filhos, assumindo a função também de educadores (alémde pais, trabalhadores, cozinheiros etc).Apresençaconstantedetodososmembrosdafamília na casa, concomitantemente trabalhando e estudando, aproximouesobrecarregouas relações. Isto foimuitocan- sativo e desequilibrou a relação com as escolas. Muitos pais se organizaramemgrupos e se sentiramno direito de confrontar as escolas em seus métodos e projetos. A insatisfaçãomútuaentrepaisecoordenaçõesdeescolasé grande, e tambémdevemos observar umgrandenúmero de transferências. Semdúvida, a possibilidade de que os alunospossamvoltar às aulaspresenciais éumanseiode todos, guardados os cuidados de segurança. Todos os nossos vínculos têm sido postos à prova e redimensionados. Antes da quarentena, convivíamos com certas pessoas, que nos pareciam então as mais amigas. Mas assim que o isolamento foi imposto, mui- tas daquelas pessoas desapareceramdenosso campode interesse, assim como nós do delas. Ao mesmo tempo, amigose familiarescomquemnãovínhamosconvivendo se lembraram de nós, assim como nós nos lembramos e preocupamos com pessoas diferentes. Com o desa- parecimento do ruído do cotidiano anterior, relações mais superficiais ou “instrumentais” desapareceram e vínculos mais profundos mostraram sua consistên- cia. Para dizer de forma jocosa: casamentos e divórcios foramprecipitados pela quarentena. Talvez precipitados numduplo sentido: produzidos e apressados. Alguns pacientes também se disseram aliviados neste período pela impossibilidade de vida social. Agora eles “não precisavam mais” procurar por um namoro ou por amigos; movimentos que se revelaram então Muitos dos espaços que ocupávamos não existemmais, e já não caberíamos namaior parte deles, caso ainda estivessempor aí Algumaspessoasaindaemisolamentoestãosesentindo ”otárias”, pormanteremumaatitudedecuidadodesi edos outros, enquantoveemtantaspessoassaindosemmáscara shutterstock . com
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