Revista da ESPM JUL_AGO_SET 2020 web
JULHO/AGOSTO/SETEMBRODE 2020| REVISTADAESPM 27 A falta de uma liderança segura é desastrosa para o vínculo social. O indivíduo se vê desamparado, semsaber emquem ou emque confiar. A reação então é óbvia: cada umpor si shutterstock . com mais tributários de uma demanda social do que de um desejo próprio. Pode-se dizer o mesmo das relações de consumo. Houve uma transformação importante no que e como consumimos. As compras on-line e osmeios de entrega em domicílios foram postos à prova e permanecerão transformados. A confiança em marcas, lojas e meios de entrega também forampostos à prova. Amudança no uso do tempo tambémtemsido impor- tante.NumacidadecomoSãoPaulo,mesmoquemseguiu trabalhando passou a dispor do tempo que usava no des- locamento para o trabalho. Estamesma condição de descolamento da rotina teve efeitos variados. Algumaspessoasdeprimiram, viram-se muitodesorganizadas.Outrasaproveitaramotempopara se aprofundar em trabalhos de criação, recuperação de memórias e aprendizado. Pacientes obsessivos observa- ram, com algum prazer: “agora todos estão sendo como eu sempre fui, e era chamado de louco; tomam banho e lavam as mãos o tempo todo, tiram o sapato ao entrar em casa, lavam as compras etc.”. Pacientes depressivos tambémse sentirammais normais. Alguns estigmas de patologia puderamser revistos. Assim, tornou-se evidente outra dimensão de nossa identidade, quase sempre ignorada: o hábito. A quebra brusca de nossos hábitos emmeados demarço produziu umaquebranaeconomiainercialdenossasvidas.Adeses- truturação experimentadapormuitas pessoas deuprova disso.Comarotinadeestudosetrabalho,aquelasligadasà alimentaçãoeaosonotambémsedesorganizaram.Avida emcondiçõesdistintasdashabituaisrequermuitaenergia e criatividade. Cada coisa precisa ser pensada e decidida. Nessesentido,recomendeiamuitaspessoasacriaçãodo quechameideum“exoesqueleto”,comoformaderestabele- cercontornoereferência:aconstruçãodeumanovarotina. Ao longo dos meses, a vida em isolamento tornou-se uma nova rotina na qual muitas pessoas se instalaram. Até surgir o momento de flexibilização e com ele mais um sofrimento, agora pela quebra dos novos hábitos. Não forampoucas as pessoas que chegarama considerar que preferiama vida como estava durante a quarentena. Ofuncionamentodeescolase faculdadescomrecursos de acesso remoto foi muito importante namanutenção do sentimento de identidade e estabilidade. Elas foram essenciais para a preservação da saúdemental de todos os envolvidos. Para muito além da dimensão de conti- nuidade dos estudos e da formação profissional, as ins- tituições de ensino funcionaramcomo uma referência de estabilidade e manutenção da identidade. Imagine o efeito de um isolamento como este há poucos anos, quando ainda não tínhamos os recursos de conectivi- dade dos quais dispomos hoje. Outrafrasequeouvimuitonoperíododequarentenafoi: “agoraqueeuvolteiaficaremcasa...”.Todavezqueouviaesta frase,euquestionava:“algumavezvocêjáhaviaficadotanto emcasa?”. Ea respostaerasemprenegativa.Na realidade, nóspudemoshabitarenosapropriardenossascasascomo nunca tínhamos feitoantes.Armários foramarrumadose rearrumados;muitosdenósfizemosa faxinadecasapela primeira vez (ou a parte mais pesada dela); aprendemos a cozinhar oumelhoramos nossos recursos culinários. Semnunca nos esquecermos de que esta condição foi involuntáriae implicavaumaprisãodoméstica (enquanto milhares de pessoas morriam), podemos reconhecer que foi possível estabelecer uma vida mais conectada com suas bases mais importantes. Ambivalências da aceleração da conectividade Uma grande marca da ação humana é a ambivalência. Dificilmente identificamos qualquer experiência que
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