Revista da ESPM JUL_AGO_SET 2020 web

JULHO/AGOSTO/SETEMBRODE 2020| REVISTADAESPM 29 Não voltaremos a viver como antes. A vida conectada que já vinha se desenvolvendo com rapidez deu um salto gigantesco shutterstock . com aceitar sermosmonitorados. Houve uma discussão filo- sófica grande no início do isolamento na Itália, quando realmente alguns pensadores se perguntaram se não estaríamos cedendo a um Estado invasivo, a tentar controlar nossos deslocamentos físicos e monitorar nossa vida conectada, como num pesadelo inspirado pelo pan-óptico do Foucault. Com partes cada vez maiores da vida passando pela internet, damo-nos conta de que aceitamos cada vez mais mecanismos de monitoramento de nossas vidas; talvez emníveis que não aceitaríamos há poucos anos. Como exemplo, as aulas viraram lives transmitidas abertamente, gravadas e disponibilizadas, sem que se fale sobre direito de imagemou remuneração adicional. Mais que isso, a disponibilização do acesso a determi- nado conteúdo pode se transformar na perda do tra- balho do próprio produtor do conteúdo, caso ele tenha aquele conteúdo reproduzido independentemente de seu controle ou ganho. Nossa versão de umadmirável mundo novo, já vivido nopresente, traz asmarcas inevitáveis da ambivalência. O que esperar? Como queremos nos preparar para o que vem, é inevi- tável tentarmos antever quais serão os legados desta experiência. Mas como ela está em curso, não temos o distanciamento necessário para analisá-la e fazer prospecções seguras. Agora, se contarmos com a experiência de gerações anteriores, podemos esperar por comportamentos que busquemmaior segurança, uma vez que as referências que pareciam seguras foram desestabilizadas. Numa formulação anedótica: menos bitcoin , mais dinheiro embaixo do colchão; menos aplicativos de relaciona- mento, mais vínculos fortes. Quando, ao fim de maio, anunciou-se que os shoppings reabririam suas portas, temeu-se uma corrida pela demanda reprimida. Afinal, muitas pessoas foram a eles, mais para passear do que para consumir. A insegurança perdura, até por não ter- mos ainda a noção clara do fimdo processo. Comotempo,veremosseseremoscapazesdenostrans- formar comesta experiência radical. Sairemosmais soli- dários ou individualistas, mais conservadores ou inova- dores?Oualgumamodalidadehíbridaserádesenvolvida? De toda forma, restaanecessidadedepensarmos enos implicarmos nomundo ànossa volta. Temos a dimensão de umamicropolítica cotidiana, que envolve o cuidado de si e do outro, como lidamos eticamente comomundo emnossasmodalidades de existência, emcada relação pessoal e profissional. E existe a macropolítica: no fim do ano teremos eleições para prefeito e vereadores: o exercício imprescindível da democracia. Sairemos desta experiência comorgulhoouvergonha de nosso país e de nossos concidadãos? Existe neste momento um aprendizado inescapá- vel: não há solução individual . Não adianta se isolar numa praia erma ou casa de condomínio; não adianta meditar ou pensar positivo; não há vacina que se possa comprar, independentemente do poder aquisitivo. Sem uma ação coletiva, vírus e bactérias seguirão em circulação indefinidamente. Para sairmos desta situa- ção, precisaremos agir coletivamente: chegamos a um impasse numa cultura que valoriza a liberdade indivi- dual acima de tudo. Pedro de Santi Psicanalista, professor da graduação e do mestrado profissional em comportamento do consumidor na ESPM, membro do grupo de pesquisa (CNPq) Eu e o outro na cidade, doutor em psicologia clínica e pós-doc em comportamento do consumidor

RkJQdWJsaXNoZXIy NDQ1MTY1