Revista da ESPM JUL_AGO_SET 2020 web
JULHO/AGOSTO/SETEMBRODE 2020| REVISTADAESPM 41 M inha relação comomundododelivery é antiga. Emnovembrode 2010, eu estava entregandomeu Projeto de Graduação ESPM (PGE) — nome carinhoso que se dá ao TCC do curso de Comunicação Social da ESPM —, cujo objeto era um projeto empreendedor voltado para o delivery. “Quebrando o paradigma do delivery de alta gastronomia” era o subtítulo do trabalho. Naquela época, o iFood, empresa na qual fui trabalhar anos depois, não existia. Nem o Uber Eats, nem a Rappi ou qualquer app desse tipo. Muito menos conhecíamos o conceito de Dark Kitchen , que são aqueles restaurantes que não têm salão, mesas ou cadeiras, pois só operam delivery. Nosso negócio era essencialmente isso: uma Dark Kitchen . E, modéstia à parte, não vi um projeto de restaurante inovador como o nosso até hoje. Nossa cozinha seria transmitida via site para os usuários acompanharem o preparo da comida e a saída para entrega. Nossas embalagens contariam a história de cada prato e nossos entregadores trabalhariam com uniformes mais interessantes e motos mais robustas. Na época, o que não tínhamos era esse nome pomposo, Dark Kitchen , que só surgiu anos depois e hoje é uma tendência real e concreta. À época, a única empresa que fazia um serviço pare- cido com os apps que conhecemos atualmente — e que, justamente por isso, foi a única que entrouna nossa aná- lise de concorrência — era a Disk Cook. Não por acaso, essa empresa foi o embrião do delivery on-line, já que o iFood, primeiro app de delivery do Brasil, é um spin-off da Disk Cook. Depois da evolução da Disk Cook para o iFood, muita coisamudounessemercado.NoBrasil, como tambémnos EstadosUnidos, naEuropa, e, principalmente, naChina, foi produzida uma série de evoluções que revoluciona- rama forma como as pessoas se alimentamno dia a dia. Neste artigopretendo, apartir daperspectivadequem trabalha neste mercado há anos, resgatar a história do delivery on-line — em especial de refeições — antes da pandemia, refletir sobre os impactos dela no compor- tamento do usuário e colocar para reflexão algumas questões essenciais que precisam ser abordadas agora para que omodelo vigente evolua de formamais susten- tável no que está sendo chamado — equivocadamente — de “novo normal”. O setor antes da pandemia Antes da virada do século, quando o serviço de entrega de comida no Brasil se limitava aos pedidos de pizza por telefone, surgiu uma empresa chamada Disk Cook. Basicamente, era um catálogo, uma revista impressa que listava cardápios variados de restaurantes creden- ciados nas áreas nobres de São Paulo e doRio de Janeiro. Os pedidos eram recebidos em uma central de atendi- mento que os repassava aos restaurantes via fax, num processo que podia levar algunsminutos. Esse “delivery raiz” foi a pré-história da revolução que o universo da alimentação vivenciou nos anos seguintes. No fim de 2011, já dentro de um contexto global de digitalização de serviços, o iFood, que nasceu dentro da Disk Cook, recebeu seu primeiro aporte, de R$ 3,1 milhões, do fundo de investimentos Warehouse. Com isso, lançou o primeiro aplicativo do mercado, a V0 do app que — muito provavelmente — você utiliza hoje. Quase três anos depois, em 2013, a Movile comprou o iFood por R$ 5,5milhões — já pensou quanto vale hoje? — e passou a investir em aquisições, especialmente de startups regionais de delivery, que nasciamaosmontes. Como de costume emmercados digitais, seriamquase 30 movimentações de M&A ao longo de alguns anos. Foi só em 2014 que ocorreu a principal movimenta- ção nesse setor, numa fusão que envolveu o iFood e seu principal concorrente à época, o RestauranteWeb, do grupo britânico Just Eat. Essa soma de poderes criou a maior empresa do setor na América Latina, com uma base de mais de cinco mil restaurantes cadastrados, que cobriam aproximadamente 60 cidades do país e com estimativa de, em 2015, chegar a um milhão de pedidos por mês. Algum tempo depois — após anos de um iFood solitá- rio, que nadava de braçada no oceano azul do delivery — o mercado começou a mudar com a chegada de con- correntes de peso, muito diferentes daqueles pequenos players locais que eram facilmente seduzidos por um bom time jurídico e um punhado de moedas. A chegada da Uber Eats ao Brasil, no fimde 2016, foi ummarco. Braço da Uber, a operação oferecia omesmo serviço de delivery, mas com um ativo ameaçador: os mais de 500mil motoristas cadastrados na plataforma. Nos anos seguintes, as duas empresas travaram uma batalha sangrenta pela exclusividade de restaurantes
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