Revista de Jornalismo ESPM

8 JANEIRO | JUNHO 2021 “Todos os novos meios de comunicação nascem com vocação biunívoca, dual ou dialógica. E todos se tornam unidirecionais, por uso ou desenvolvimentos tecnológicos, à medida que se massificam” que a essência interativa dessas pla- taformas assentadas sobre a inter- net resulta irrelevante. O sucesso de audiência de umpequeno conjunto deperfis resulta emumaumento sig- nificativodonúmerode seus “segui- dores”, criando umciclo econômico que, ao mesmo tempo, reforça sua capacidade de ampliar a conquista de seguidores e tira do espectador sua natureza essencial de “emissor”. Assim, àmedidaqueosistemaeco- nômico do meio aumenta a capaci- dade de investimentos (emrecursos de tecnologia e propaganda e divul- gação) de cadavezmenos entes (per- fis, nós, páginas ou personalidades), estes passama ser de fato emissores de conteúdos para umnúmero cada vezmaior de “receptores”, que ape- nas “compartilham” as mensagens, reduzindo seu papel de “emissor”, emmero reforçador de sinal. Essa dominância de uns poucos resulta emuma organização funda- mentalmente semelhante à damídia demassas tradicional, emque umas poucas empresas “emitem” e uma massa de consumidores “recebe”. A dominância atual das redes cor- responde de fato a uma broadcasti- zação 2 das mídias sociais. Tambémnessecaso, ahistóriaper- mite visualizar e entender o fenô- meno: orádio, que seconstituiuorigi- nalmente comouma tecnologiadual, se tornou uma tecnologia broadcast à medida em que alguns emissores constituíramumsistema econômico de sustentaçãoque, quandoescalado, deu a essas empresas capacidade de investimento emtecnologia e publi- cidade semigual entre o conjuntode emissores independentes. A HISTÓRIA SE REPETE O rádio nasceu com o uso inovador da tecnologia do chamado “telégrafo semfio”.Pelanaturezadopensamento humano,asinvençõesfrequentemente sãosubmetidasaparadigmasanterio- res, como explicou Thomas Kuhn, em seu clássico A estrutura das revo- luções científicas , de 1962. A invenção da teletransmissãode sonsporondas tinhasidoapropriadacomoumsuce- dâneodo telégrafo, semoônus de ter queimplantaremanteremtodoopla- netaumaimensainfraestruturadefios. Nodiaemqueestourouumarebelião separatistanaIrlanda, em1916, rebel- descatólicosnacionalistas,embuscado apoio internacional aseumovimento, usaramoaparelhopara transmitir ao léu informações e palavras de ordem sobre seu movimento. O estudioso canadense Marshall McLuhan usou o episódio para datar o nascimento dorádiomoderno, emseuclássico Os MeiosdeComunicaçãocomoExtensões do Homem (Cultrix, 1992). Nos anos seguintes, aose implantarcomomeio decomunicaçãoemsi,libertodopara- digma do telégrafo, o rádio conquis- taria o público comaparelhos recep- tores, jádespidosdacapacidadedual. Nosanos1970,quandoaEuropains- talavaasredesdecabosparaaimplan- tação da tecnologia de TV a cabo, a publicidade domeio propalava a pos- sibilidadedequecadausuáriopudesse “fazer sua tevê”, comliberdade para emitir seus programas. O discurso otimista em torno das novas mídias quando surgem não é diferente do que saudou antes os jornais. Na França, à época da Revolução Fran- cesa, todo pequeno líder de célula política tinha o seu, que, no entanto, para manter o paradigma anterior, era frequentemente chamado de “carta” ou “correio”. Todos os novos meios de comu- nicação nascem com vocação biu- nívoca, dual ou dialógica, quando observamos sua infraestrutura e funcionamento. E todos se tornam unidirecionais, pelo hábito do uso 2 A palavra “broadcastization” tem sido usada por alguns críticos em língua inglesa que apontam o processo de concen- tração do poder de emissão nas redes sociais e a redução do reconhecimento do papel de instituições noticiosas na auto- ria de textos jornalísticos. Tamas Tofalvy utiliza também como sinônimo a palavra “feedization” em The “broadcastiza- tion” of the net: The algorithm-driven platform ecosystem and its consequences for digital journalism (2019).

RkJQdWJsaXNoZXIy NDQ1MTY1