Revista de Jornalismo ESPM
22 JANEIRO | JUNHO 2021 por clio chang na primeira semanademarçode 2020 , a jornalista independente Patrice Peck, quemora emNovaYork, começou a higienizar tudo. Foi aoNitehawk, um desses cinemas que servem comida, e levou Clorox para desinfetar a mesinha da poltrona, o copo, os talheres. Lá, naquele início, Peck se sentia a única obcecada pelo coronavírus. Coma pandemia se alastrando, come- çou a trocar notícias comuma amiga por mensagemde texto e a ligar para a avó na Jamaica para saber como estava a situação por lá. Peck sabia que a população negra seria a mais atingida e que esse lado da história não receberia cobertura suficiente. “Para mim, era muito óbvio”, relembra. Emabril de 2020, a ordem já era ficar em casa. Peck—que tem33 anos, esbanja estilo e ultimamente anda de cabelo curto e óculos de gatinho — estava enfurnada no apartamento. Ela e o companheiro passarama traba- lhar lado a lado, os laptops plantados na ilha da cozinha. Enquanto Peck vasculhava a internet atrás de notícias, negros nos Estados Unidos come- çavam a morrer de Covid-19 ao dobro da taxa dos brancos. “Queria escre- ver algo que fosse útil para os leitores, que fosse informativo e empodera- dor, especialmente para o público negro.” Fez, então, o que tantos outros jornalistas independentes estavam fazendo: criou um Substack. Lançado em 2017 por um trio da área de tecnologia e mídia — Chris Best, Hamish McKenzie e Jairaj Sethi —, o Substack é uma plataforma de newsletters que permite a escritores e afins distribuir conteúdo pelo modelo de assinatura, cobrando ou não. Embora boletins informativos remontem à Idade Média, hoje, com o emprego estável em empresas tra- dicionais de mídia rareando – entre a recessão de 2008 e 2019, o número Seja seu próprio chefe! Empresa americana de newsletters cria sistema de publicação mais equânime ou apenas reproduz nos meios digitais as falhas do velho modelo? de empregos em redações america- nas caiu 23% –, o Substack é uma alternativa interessante. Para mui- tos, é uma fonte viável de renda. Em três anos, newsletters no Substack sobre quase todo assunto imaginá- vel – de direitos de aborígenes aus- tralianos e receitas de pão à política no estado americano do Tennessee – atraírammais de 250mil assinan- tes pagantes. Uma elite de autores pode faturarmais deUS$ 100mil ao ano comumboletim, algo raro para jornalistas freelancers. Emily Atkin, daHeated (que trata da crise climá- tica), contou que sua renda bruta ao ano supera os US$ 200 mil. No ranking dos Substacks que cobram do leitor, o dela está em 15º lugar. “Abri, literalmente, minha primeira poupança”, comemora a jornalista. Peck vinha cogitando a ideia de criar uma newsletter havia umtem- pinho. E começou a avaliar seria- mente o Substack quando topou com a Beauty IRL, uma newsletter de Darian Harvin, outra freelancer como ela. Harvin calculava que era “sóquestãode tempo”paraque fosse demitida de um ou outro emprego na mídia, e estava usando o Subs- tack para escoar ideias que sobra- vam. “Pegouma ououtradasminhas ideias de pauta e publico o material na minha newsletter”, conta Har- vin. “Como temmeiome pagando só US$ 300 por texto, pensei: ‘E se eu usasse parte dessas ideias de pauta para expandir meu público?’.” Esse material começou a atrair atenção; a certa altura, o Substack resolveu dar a Harvin um estipêndio de US$ 3 mil e um adiantamento de US$ 25 mil (nesse último esquema, o Subs-
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