Revista de Jornalismo ESPM

24 JANEIRO | JUNHO 2021 ávido que era, começou a pensar em escrever ele mesmo alguma coisa. Redigiu umartigo lamentando como o decadente modelo de negócios da imprensa incentivava cliques, retuí- tes e curtidas em detrimento de tex- tos incisivos. Na época, o apocalipse damídia estava a toda: amídia digital mostravasuaslimitações(naqueleano, Mic e Vice fizeram cortes em massa depois de se curvar ao Facebook na malfadada“pivotagemparaovídeo”) e veículos tradicionais seguiam san- grando(aperdadereceitapublicitária na CondéNast viera para ficar; a Tri- bunePublishing,emdesespero,mudou onomeparaTronc). “Agora, vivemos em um mundo no qual redes sociais otimizam o feed para engajamento, pois é assim que ganham dinheiro e, em uma espécie de dano colateral involuntário,acabampotencializando tudooquenoslevaàloucura”,susten- tou Best. “É ruim para nós como lei- tores e ruim para a sociedade.” Best mandou a versão inicial aMcKenzie, comquem trabalhara no Kik. “Ele disse: ‘Para começar, você escreve mal, não devia se meter nisso”, recorda Best. Na versão de McKenzie, ele teria delicadamente ditoaBest queestava falandooóbvio: todomundo namídia sabia qual era o problema; o que faltava era uma solução. McKenzie tinha crescido em uma cidadezinha na Ilha Sul da NovaZelândia e estudara jornalismo coma ideia de virar correspondente estrangeiro. Antes de ir trabalhar com tecnologia, tinha morado qua- tro anos emHongKong, onde escre- via basicamente sobremúsica indie e a cena noturna. A certa altura, foi repórter do PandoDaily, umsite que cobria tecnologia. Depois, passou a escrever para empresas –primeiro a Tesla, depois aKik.McKenzie incen- tivou Best a ir além de um diagnós- tico. No primeiro semestre de 2017, os dois trocarame-mails semparar, conversaram por vídeo e usaram o Google Docs para fazer um brains- torming de modelos que poderiam ajudar o jornalismo. Aseuver, omais promissor parecia o de assinaturas – masnãona formade jornais ourevis- tas. Ode “newsletter pagas” parecia mais conhecido, mais pessoal, mais confiável – e mais monetizável. Plataforma independente Os dois tinham boas razões para achar que a coisa podia funcionar. Tanto Best como McKenzie eram fãs da newsletter Stratechery. Seu autor, umex-funcionário da Apple e daMicrosoft de nome Ben Thomp- son, era radicado emTaipei e, desde 2014, se dedicava exclusivamente a escrever sobre tecnologia, cobrando diretamente dos leitores. “O cara fazia a newsletter semsair do quarto emTaiwan e, até onde a gente sabia, faturava cerca de U$ 1 milhão por ano”, afirmaBest (embora exagerada a estimativa, Thompson tinha, sim, uma renda boa). Os dois se pergun- tavam por que aquele modelo, que tirava partido de pontos fortes da internet – rede de distribuição glo- bal, sistemas de pagamento fáceis – não fora adotado de formamais dis- seminada. A The Skimm e a Axios tinham, sim, criado empresas que monetizavam newsletters, mas até ali a ideia não fora adotada emmassa por jornalistas independentes. No sistema concebido pelos dois, o Substack levaria 10%da receita de assinaturas, o que, a seu ver, selaria a relação com autores (a plataforma de pagamentos Stripe, que proces- saria a cobrança, ficaria com 2,9%, mais 30 centavos de dólar por tran- sação). A dupla contatou Sethi, um programador que conheciam do Kik, para desenvolver a tecnologia. O mote da empresa era algo assim: “Sóganhamosdinheiroquandoquem escreve ganha”. A missão do Subs- tack, anunciada no lançamento ofi- cialdaempresa,soavamaisgrandiosa: “Quandochegaràmaturidade, osetor de notícias por assinatura poderia, sim, sermuitomaior do que a indús- tria jornalística um dia foi, assim como omercado de transporte indi- vidual de passageiros em San Fran- cisco é maior do que o setor de táxis era antes de Lyft eUber”, proclama- “O Substack é uma alternativa radicalmente distinta, na qual a ‘empresa de mídia’ é um serviço e os jornalistas estão no comando” Ben Smith, colunista do New York Times

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