Revista de Jornalismo ESPM

30 JANEIRO | JUNHO 2021 tal de risco. Jornalistas estão cansa- dos de ver investidores irromper na redação prometendo que irão resol- ver todos os problemas do setor – só para, dali a um tempo, serem man- dados embora ou obrigados a pro- duzir caça-cliques (no casodoSubs- tack, Kaitlyn Tiffany, da The Atlan- tic, afirma que a rapaziada da tecno- logiaestariamonetizandoumformato de comunicação–newsletters –que hámuito éusado, especialmentepor mulheres, para incentivar comunida- des “não remuneratórias” e “artisti- camente estranhas”). OsfundadoresdoSubstacknãofin- gem ignorar que jornalismo e capi- tal de risco em geral não combinam. McKenzie disse que jornalistas que suspeitam do venture capital têm “bons motivos” para a desconfiança. Segundoele, noentanto, háumadife- rençaentreempresascomoBuzzFeed e VoxMedia, que recebemmilhões e milhõesemcapitalderisco“naaposta gigantesca e não comprovada de que issopodeescalaredarumretornomas- sivo”,eoSubstack,que,segundoele,é “uma plataforma comummodelode negócios simples e transparente que comprovadamente funciona”. Quandoperguntei seos investido- resdoSubstackestavamembuscade grandes retornos, Best respondeu: “Temos expectativasde crescimento paranósque sãopelomenos tãoaltas quanto as dos nossos investidores.” Aindaqueessapremissasejaaceita, resta uma questãomaior, que caberá ao setor como um todo responder: o chamado capitalismo de risco, em sua constante busca por altos retor- nos emgrandes investimentos, seria, emsua essência, incompatível como projeto do jornalismo? As razões de Peckparadistribuirsuanewsletterde graça, por exemplo, estãoemconflito comobjetivosdeinvestidores.Pergun- tei aos fundadores do Substack sua opinião sobre a tese, popular entre investidores de risco, de que é pre- ciso impor limites a jornalistas, pois teriam poder demais. “Nosso negó- ciodependeumpoucodaAndreessen Horowitz, e muito dos autores. Não tentamos controlar ou influenciar o que nenhumdesses grupos pensam. Não respondemos pelas atitudes de todapessoaquepublicanoSubstack, nem pelas atitudes de nossos inves- tidores”, afirmaMcKenzie. Éumaposturanão ideológica, não editorial – e que ele já tinha adotado emconversas anteriores comigo. Em geral, no entanto, professar neutrali- dadeserveapenasparareforçarestru- turas depoder atuais.Nessashoras, o discursodos fundadoresdoSubstack descambaparaadesculpade sempre da turma da tecnologia, menospre- zando o fato de que visão “não ideo- lógica” é ideologia do mesmo jeito. Quando entrou no Substack, Andrew Sullivan pôs à prova o posi- cionamentodaempresa: controverso por publicar trechos do livro TheBell Curve , que promove uma “ciência” racial preconceituosa, Sullivan agora fariaumanewsletterpolítica,aWeekly Dish (pelas diretrizes de conteúdo do Substack, só há veto a discurso de ódio).OSubstackdeSullivan logoera oquintomaislidoentreasnewsletters pagas; segundo ele, sua renda subiu de menos de US$ 200 mil ao ano na revista New York para US$ 500 mil. Quando perguntei se achavam que a presença dele poderia repelir outros autores,osfundadorestergiversaram: “Não somos uma empresa de mídia. Se alguém escolher nossa empresa achando que teremos uma posição editorial e que iremos aplicar uma certa linha ideológica, o mais prová- vel é que essa pessoa não deveria ter escolhido [o Substack] para começo de conversa”, explica Best. Em um setor quebrado, até um módico de agência pode começar a parecer controle. Mas isso não vai, necessariamente, trazer a transfor- mação emgrande escala que os fun- dadores do Substack prometem. No plano abstrato, “seja seu próprio chefe” é um bom lema – mas ignora o fato de que sempre há uma dinâ- mica depoder, ainda quenão forma- lizada. Peck, por exemplo, foi desco- brindo como tempoque oquepodia fazer por conta própria tinha limi- tes. “Émaravilhoso não ter de pedir autorização para fazer uma matéria oucobriralgumassunto.Mas sempre fazbemtrabalhar e trocar ideias com jornalistas profissionais, ouvir a opi- niãodos outros”, conclui. Emagosto passado, para ajudar na cobertura, “No afã de se tornar o futuro damídia, o Substack está tentando ter tudo aomesmo tempo:manter umadistância editorial adequada edar a certos autores um apoio que vai além de ceder um espaço para publicação”

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