Revista de Jornalismo ESPM
60 JANEIRO | JUNHO 2021 FILME Documentário lembra ao fotógrafo de guerra: “Você não é um soldado” É UMA INJUSTIÇAHISTÓRICAQUE TENHADEMORADO TANTOPARA SER PRODUZIDO o primeiro documentário sobre o premiado fotó- grafo de guerra brasileiro André Liohn. Ainda mais considerando que desde o início da carreira ele trabalha com vídeo e fotografia, deve ter acumulado gigatons de arquivos de imagens que já pode- riam ter dado origem a documentários sobre os diversos conflitos que cobriu, começando pela Somália, passando por Líbia, Iraque, Síria, as periferias brasileiras e, mais recentemente, o combate à epidemia da Covid-19 na Itália e no Brasil. Mas o filme intitulado Você Não É UmSoldado preenche a lacu- na, sem economizar nas emoções fortes das imagens que ele pro- duz. No início e no fim, uma narração da diretora Maria Carolina Telles reivindica para si a concepção do filme, num diálogo com a memória de seu pai, que foi soldado e quis lutar na Segunda Guer- ra Mundial. A curiosidade com aquele estranho desejo é que a faz se aproximar e tentar desvendar a mente de um correspondente. O filme é quase todo dominado por imagens produzidas por Liohn comcâmeras atadas ao corpo, que produzem longos planos sequência de suas aventuras; mais para o fim, surge a câmera de outro fotógrafo brasileiro, João Catalano. Liohn passa a aparecer nas imagens, segurando apenas uma Nikon com sua lente 20mm. A frase que dá título ao filme é dita pelo segurança contratado para proteger Liohn, durante uma troca de tiros entre soldados ira- quianos e militantes do Estado Islâmico, no deserto próximo a Mo- sul (Iraque). O fotógrafo insiste para correr de uma construção até uma trincheira de onde os iraquianos disparam suas armas. Depois de várias tentativas, o segurança armado diz energicamente: “Você nãovai, vocênãoéumsoldadoe eu estou aqui para te proteger”. Repórteresdeguerranãosão soldados, mas frequentemente perdemanoçãodessadiferença e chegammais perto das cenas violentas do que seria recomen- dável e morrem. O filme narra a morte de vários deles, como Marie Colvin (1956-2012, mor- ta em Homs, Síria), e James Fo- ley(1973-2014,mortoemRaqqa, Síria), além de Chris Hondros e TimHetherington (ambos 1970- 2011),mortos emMisrata (Líbia) nobombardeiodeumprédioem que Liohn também estava e por issoregistroutodooepisódio.Ao morrer,obritânicoHetherington vinhade ser premiadocomodo- cumentário Restrepo , produzido no Afeganistão. A guerra é um caos que os Exércitos formais tentam or- ganizar. Sem eles, estabelece- -se a confusão absoluta. Numa das cenas iniciais do filme, An- dré (ocultopor umacâmera sub- jetiva) estáemumaamplapraça em meio a tiros disparados pa- ra todo lado. Umsoldadounifor- mizado bate bola sozinho, como se fosse invisível aos atiradores que estão emalgum lugar (para onde as pessoas disparam), co- mo se fosse inatingível a tiros; carros militares cruzam a praça (curiosamente,umacaminhone- te transformada em base de fo- guetes passa em velocidade de marchaaré).Ecadasoldadoque passa pelo jogador faz uma em- baixada ou bate a bola de volta. O futebol dá à cena um tom ab- solutamente bizarro, circense. Nesse momento, o repórter diz que sente que temumamis- são de transmitir o que ocorre nos conflitos, seguindo o méto- do tradicional da fotografia de guerra, mas essa tradição es- tá sempre em transformação. A sensação que dá ao espec- tador é que a guerra não tem O fotógrafo de guerra brasileiro André Liohn tem sua trajetória registrada no filme You are not a soldier FOTOS: DIVULGAÇÃO PARA LER E PARA VER LEÃO SERVA
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