Revista de Jornalismo ESPM

62 JANEIRO | JUNHO 2021 PARA LER E PARA VER LEÃO SERVA UMA PESQUISA FEITA POR NEUROCIENTISTAS de universidades de diferentes países mostra que as pessoas tendema se emocionar mais diante de relatos de sofrimento de uma vítima do que comno- tícias relativas amilhares de pessoas. Isso talvez explique por que a opiniãopública emdiversos países dê sinais de ter reduzidoa empa- tiaeapreocupação comapandemiaàmedidaqueaCovid-19atingia dimensões trágicas emtodo omundo, como se o crescimento expo- nencial de casos da doença fosse seguido de uma redução domedo. A pesquisa “Imagens do cérebro mostram por que ficamos entorpecidos pelos números” (Brain Imaging Evidence for Why We Are Numbed by Numbers) foi publicada pela Nature - Scien- tific reports , em 2020. Os autores são Zheng Ye (China), Mar- cus Heldmann (Alemanha), Paul Slovic (EUA) e Thomas Mün- te (EUA). Eles usaram ressonância magnética para identificar o comportamento da área do cérebro que se relaciona com o sentimento de empatia (córtex pré-frontal) e medir as rea- ções diante de diferentes histórias. Na apresentação do traba- lho, os cientistas resumemo que os levarama realizar a pesquisa: “Em 2 de setembro de 2015, as fotos do falecido Alan Kurdi, de 3 anos, ummenino curdo da Síria, dominaram o noticiário globalmen- te, após ele ter se afogado tentando chegar à ilha grega deKos, vindo da Turquia com sua família durante a crise de refugiados no Oriente Médio. As repercussões da foto foramdramáticas. O primeiro-minis- tro britânico David Cameron disse: “Qualquer pessoa que visse essas fotos durante a noite não poderia deixar de se comover e, como pai, senti profundamente comovido coma visão daquelemenino emuma praianaTurquia”.Nosdiasposterioresàpublicaçãodasfotos,aspes- quisas doGoogle pelos termos “Aylan”, “refugiados” e “Síria” aumen- taramdrasticamente e os valores de doações diárias para a Cruz Ver- melha sueca aumentaram55 ve- zes para um fundo projetado es- pecificamente para ajudar os re- fugiados sírios. AmortedeAylan Kurdi influenciou fortemente até mesmo as eleições gerais do Ca- nadá, destino final da família de Kurdi.Emseguida,oafogamento de700refugiadosem26demaio de 2016 e outros eventos envol- vendo um número maior de víti- masteveconsideravelmenteme- noscoberturadamídiaenãosus- citou respostas compassivas por parte dos políticos”. Para realizar o estudo, os neurocientistas submeteram 21 pessoas a um exame de resso- nânciamagnética. Enquanto es- tavam deitados, sendo monito- rados pelo equipamentoque es- caneia a atividade do cérebro, os pacientes ouviramvinte notí- cias emestilo de programas jor- nalísticos de rádio, lidas por lo- cutores profissionais; algumas eram histórias neutras (descri- ções de obras em museus, por exemplo) eoutras, eventos emo- cionalmente intensos, como ca- sos de estupro (a gravidade da ocorrência é uma variável me- dida), vividos por uma ou mui- tas pessoas (o número de víti- mas é outra variável). A conclusão foi de que o nú- cleo da empatia, localizado no córtex pré-frontal, reage com maior envolvimento quando ex- posto a histórias sobre um in- divíduo do que casos envolven- do muitas pessoas, não impor- ta se as histórias são emocio- nalmente neutras ou negativas. Emparticular, a área do cérebro relacionada à empatiamostrou atividades mais intensas e ex- tensas para histórias sobre uma pessoa do que histórias sobre muitas pessoas. “Nosso córtex pré-frontal parece ser limitado emsua capacidade de adotar as perspectivas dos outros àmedi- da que aumenta o número de pessoas necessitadas”, diz o re- latório da experiência. A prática jornalística, de maneira intuitiva, já incorpo- ra essa ideia: tradicionalmen- te se sabe que os leitores se in- teressam mais por casos indi- vidualizados do que por dados estatísticos. Por isso, os noti- ciários têm coberto as vítimas de epidemia com muitos rela- tos pessoais, junto com os nú- meros assombrosos que a do- ença provocou no Brasil. Além de provar o que os jornalistas já intuíam, a pesquisa aponta caminhos para avaliação obje- tiva dos efeitos emocionais de histórias sobre o público con- sumidor, permitindo explorar o impacto de diferentes esti- los narrativos. ■ Ser humano se emociona mais com uma só vítima do que commultidões PESQUISA Brain imaging evidence for why we are numbed by numbers – Zheng Ye, Marcus Heldmann, Paul Slovic e Thomas Münte . Scientific reports , 2020. Aylan Kurdi, omenino de 3 anos que se afogou noMar Egeu, em2015 NILUFER DEMIR/REUTERS

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