Revista de Jornalismo ESPM - 28

42 JULHO | DEZEMBRO 2021 (Mankind é o nome de um lutador aposentado). A certa altura, depois de ter posto a questão a dezenas de estranhos, entregou o microfone a um homem com uma latinha de cerveja na mão, que desatou a contar como seu passatempo nas horas livres era caçar predadores de crianças. “Nosso programa é bacana porqueagentepodemeioqueparar tudo o que estamos fazendo e dizer, ‘ok, vamos dar uma voltinha com esse cara’”, assegura Filio. No episódio já editado, Wilson chega à casa do sujeito, no condado de Lancaster, na Pensilvânia. “Bom, hoje vamos sair para pegar um predador”, diz o homem, aparentemente inspirado no To Catch a Predator e fascinado com a ideia de uma câmera capturando a captura. “Estávamos preparados para aquilo”, disse Filio. “No final, não aconteceu.” ComWilson por perto, o caçador de pedófilos amador não teve sorte. Mas, se tudo tivesse corrido como esperado, Wilson teria embarcadona operação clandestina, sem se deixar abater pelos dilemas éticos evidentes – e sem saber se o resultado final seria algo claramente sensacionalista, irresponsável eperigoso ou, o menos provável, lírico e revelador. “É um bom exemplo da diferença entre nosso programa e, tipo, esse jornalismo com jota maiúsculo”, observa Filio. “O que atrai a gente é, sei lá, coisas mórbidas, tipo, potencialmenteproblemáticas.” O reinado de Donald Trump trouxe um novo paradoxo moral para a imprensa quebrar a cabeça: enquantonosdebatíamos comodespreparado que nosso ofício estava para umpresidente quementia com tanta desfaçatez e frequência, dávamos vazão a ficções óbvias sobre aqueles que o mantinham e apoiavam. Em Washington, a imprensa permitiu que fontes anônimas na Casa Branca dissessem ao público leitor, reiteradamente, como eram maisdecentesdoque seus atospoderiam sugerir; repórteres despachados dasmetrópoles costeiras ao interiorzãodopaís contavamhistóriasde homens brancos que insistiam que seu apoio a Trump nada tinha a ver comracismo. Depois de quatro anos desse teatrodo “Rust Belt”, o gênero revelara pouco mais da vida americana do que o difícil que é chegar à verdade dos fatos em uma mesa de “diner” e, ironicamente, comoopovo anseia por uma espécie de “prova positiva” que emgeral é inatingível. Emjaneiro, diasdepoisdepartidários de Trump terem ensaiado uma insurreição letal no Capitólio, conversei comConover sobre possíveis maneiras de a imprensa enfrentar melhor o colapso de normas políticas e jornalísticas testemunhadonos últimos anos. “Há todo umuniverso de possibilidades fechadopara o jornalista tradicional, queprecisadeclarar sua condição”, disse Conover. “Não seria maravilhoso se um jornalista promissor, mas ainda desconhecido, pautado ou não, decidisse ir ao comício doTrump”? Isso aconteceu: repórteres comoLukeMogelson, da The NewYorker, estavamno local, documentando a baderna de dentro. Ao mesmo tempo, houve muitos registros feitos pelos próprios insurgentes, bem como por manifestantes que depois se declararam documentaristas, para escapar de penas por atos ilícitos. Nesse contexto, o que distingue um jornalista é a intenção – tanto quanto a metodologia. É claro que, antes de ser publicamente escancarada, a verdade sobre os extremistas que apoiam Trump estavaocultaàplenavista; acobertura jornalística tradicional, que concedera imerecidadignidadeagenteviolenta, serviu basicamente para ofuscar, em vez de expor, a brutalidade e o racismo velado aparentes entre a direita – na internet e emmanifestaçõespresenciais.Para fazerumjornalismo eficaz, sugeriu Conover, talvez seja preciso ampliar nossa noção de até onde o jornalista pode ir, e como; ao transpor um limite, normas prescritas podem ter menos utilidade do que o critério do profissional. ILUSTRAÇÕES: TIM MCDONAGH Texto publicado na edição impressa da Columbia Journalism Review (spring 2021), disponível emwww.cjr.org QUEM | QUANDO | COMO | ONDE | POR QUÊ E O QUE ESTÁ POR VIR. . .

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