REVISTA DE JORNALISMO ESPM | CJR 43 Hárazõesparacrerqueabandonar o códigode ética atual farámais bem doquemal. Afinal, nossas suposições sobre aquilo que o leitor espera de nós talvez não tenhammais fundamento: segundo o Gallup, nas duas últimasdécadasaconfiançanosgrandesmeios de comunicação americanos caiu de 55%para 40%; umterço dos entrevistados simplesmentenão confia na imprensa. O leitor ou não reza pela mesma cartilha nossa ou não está nem aí – e alguns talvez achemque omelhor seria um compromisso maior com a verdade e a disposição a passar por cima de certasnormas sedissodepender aexposição dos fatos. Mas, voltandoaoepisódiodeXangai... o Kevin quis me vender um relógio. Era falso, claro, mas bem feito. Segundo ele, bom o bastante para que um punhado de astros da NBA tivessem comprado em grandes quantidades para dar de presente. Antes que eu tivesse tempode duvidar, elesorriue fezumgestopara que eu me aproximasse, e ficou ali rolando fotos no celular e me mostrando fotos de jogadores. Naquele momento, decidi nãome aprofundar mais sobreosnegócios dele. Ficamos falandode celebridades americanas. No final, saí semumrelógio e sem dizer uma mentira a Kevin – mentir nunca me ajudou na vida pessoal e achei que tampouco me ajudaria na profissional. Mas incluí Kevin no meu texto e tenho certeza de que ele não se sentiria menos ludibriado ao lê-lo do que se eu tivesse usado uma identidade falsa. Por alguma razão, o tênue que é essa distinção não me incomoda muito; sem algum grau de desonestidade, jamais teria visto Kevin com clareza o suficiente para retratá-lo fielmente. Qual será meu limite agora continua determinado pelomeu passado – pelos mentores, educadores e colegas que me ensinaram a fazer o que faço. Em cinco ou dez anos mais, no entanto, é fácil imaginar ummundo que precise de algo distinto. Etemmais:mesesdepoisdoencontro com Kevin, quando procurei os jogadores que tinha visto no celular dele para perguntar sobre o que ele tinha dito, todos negaram. Não chegouaserumasurpresa: umdelesacabaradeassinarumcontratodepatrocínio com a marca de relógios TAG Heuer. Os outros, se admitissem tal coisa, nunca mais poderiam dar um presente sem que olhassem torto. E o fatoéqueKevintinhaumincentivo a mentir – gente de negócios, assim como atletas profissionais, abridores de valas emembros de praticamente todaprofissão, não têmumcódigode éticaquepossa levar os outros adar a eles o benefício da dúvida. ” ■ Joshua Hunt é professor assistente de jornalismo na Columbia University Suki Kim se fez passar por professora em uma elite na Coreia do Norte para escrever o livro Without you, there is no us (2014), que traz um relato singular da vida naquele país ILUSTRAÇÕES: TIM MCDONAGH
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