REVISTA DE JORNALISMO ESPM | CJR 47 jeto. O ceticismo de outros foi ainda maior. Um dia desses, liguei para Hao Li, um renomado especialista em ciência da computação hoje em umprojetodedetecçãodedeepfakes bancado pela DARPA (para cobrir todas as frentes, ele também é CEO de uma empresa que cria “humanos virtuais fotorrealistas”). “Não acho que seja uma empresa de verdade, a Deep Voodoo”, disse. “Tenho certeza de que é só um cara.” No dia 31 de dezembro de 2018, o governo do Gabão, o país na costa oeste da África, soltou um vídeo enigmáticodopresidente, Ali Bongo. Bongo estava no poder desde 2009, quando assumira o lugar do pai, Omar Bongo, que tinha governado o país desde 1967. Faziameses que Ali Bongo não dava umpio; diziamque tinha sofridoumderrame e estava se recuperando noMarrocos. O vídeo, uma mensagem de Ano Novo, são dois minutos de puro lenga-lenga. “Meus queridos compatriotas”, diz ele, emfrancês, “continuarei usando toda minha energia e minha força a serviço do país”. O que tornava a coisa estranha era sua aparência: Bongomal piscava epouco semexia. Pareciaumamisturadevídeodeuma vítima de sequestro com uma cena do filme UmMorto Muito Louco. Setediasdepois, citandoovexaminoso “espetáculo” de umpresidente incapacitado, uma facção das forças armadas que se autodenominava “OperaçãoDignidade” ensaiou uma tentativade golpe contrao regimede Bongo. Dois de seusmembros foram mortos pelas forças de segurança do presidente e o levante foi frustrado. Quando a poeira baixou, jornalistas e adversários políticos de Bongo começaram a questionar se o vídeo não teria sido umdeepfake, soltado pelo governo para abafar críticas à ausência do presidente—enquanto o verdadeiroBongo estavamorto ou ligado a aparelhos. Como às vezes é difícil achar imagens do rosto de alguém de perfil, uma forma muito comum de deepfake mostra a pessoa sentada, perfeitamente imóvel, olhando de frente para a câmera, como fizera Bongo. Já que é difícil sintetizar áudio de forma realista, a fala meio arrastada de Bongo parecia outra potencial evidência. Na época, estava seguindo a história, impressionado com a ideia de que um deepfake pudesse ter instigado um golpe militar. A certa altura, o vídeo foi analisado por um algoritmo de detecção de deepfakes que concluiu que provavelmente não fora manipulado. Bongo regressouà capital, Libreville, e retomou o poder. Em janeiro, dois anos após o golpe frustrado, procurei um punhado de jornalistas que cobrem o Gabão. Nenhum deles achou a teoria do deepfake remotamente plausível — e um a comparou a um boato segundo o qual o presidentedaNigéria,Muhammadu Buhari — que também vive saindo do país para tratamentos médicos —, estava na realidade sendo interpretado por um dublê chamado Jibril (“Quanto à questão de eu ter sido clonado ou não, sou eumesmo, posso garantir”, disse Buhari — ou Jibril—sobreos rumores). E, quando paravampara pensar, aqueles jornalistas nem tinham certeza de que o que ocorrera dois anos antes podia ser chamado de golpe militar. O vídeo de Bongo continua sendo umdocumentoreveladordenossaincipiente era do deepfake: o que parece estaralimentandomuitodaansiedade éopoderdasugestão.Emabrilde2018 circulou um deepfake de “Barack Obama” chamando Donald Trump de “um completo idiota”. O vídeo foi encomendado pelo BuzzFeed, dublado pelo ator e diretor Jordan DIVULGAÇÃO Em2018, o BuzzFeed usou umdeepfake de Barack Obama para alertar sobre o problema
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