REVISTA DE JORNALISMO ESPM | CJR 59 checar ou entendem a checagem como alinhamento à sua visão de mundo. “Isto me parece a resposta mais provável”, afirmou. O recorte por ideologia reforça esta última hipótese – e acrescenta a ela umcomponente político (mais uma evidênciada influênciadocomportamento do público nomodo de consumo de notícia no Brasil). A pesquisa mostrou que quem mais compartilha informações são as pessoas que se identificam como de extrema-direita e de extrema- -esquerda. Elas também aparecem entre as quemais dizemfazer checagem das notícias. “Agora uma coisa é certa: se todo mundo checasse, e checassedamaneira correta, as ‘fake news’ não seriamumproblema que nós temos”, observou Luiz Chinan. Raio-x da mídia De acordo com a pesquisa Ideia Big Data sobre consumo de mídia no Brasil, nove em cada dez entrevistados considerama divulgaçãode notícias falsas um problema grave. Para eles, os meios mais impactados pelas ditas “fake news” são, pela ordem,WhatsApp (76%), Facebook (73%),mídias sociais (74%),YouTube (68%), sites (68%), Instagram(67%), televisão (66%), jornais (62%), Twitter (60%), rádio (56%), blogs (58%) e revistas (53%). Amaior preocupaçãoé comnotícias recebidas das pessoas emgeral (35%) e dos governos, políticos e partidos (25%). Tem-se, então, aconstataçãomensurável dequeopúblico reconheceo problema, sabedeondevemeafirma adotar medidas de prevenção (checagem). Um enredo que não coaduna com a realidade. Os impactos da disseminação das notícias falsas estãopor todo lado–na saúde (videa resistênciaàs vacinas, inclusiveantes da pandemia), na economia (os problemasnosistemabancárioprovocados por boatos envolvendo o principal programa social do governo), na política (bem, aqui os exemplos são desnecessários)…ParaMunizSodré, vivemosumaeradasistematizaçãoda mentira. “De repente entramos num regime de indistinção entre o verdadeiro e o falso. Amentira sistemática é uma consequência da impossibilidade de determinarmos a verdade no nosso cotidiano.” Épossível dizerquea instabilidade política atual e a divisão da sociedade foram causadas em parte por este cenário aomesmo tempoque se alimentam dele. O resultado inevitável é o agravamento da situação, o que levou a uma imprecisão sobre o conceito de “fake news”, observa o jornalista Eugênio Bucci, ex-presidente daRadiobrás, professor e pesquiasdor. “O que cada um está chamando de ‘fake news’? Se formos nos aprofundar, vamos ver que uma mesma notícia pode ser chamada de verdade factual incontestável num determinado grupo e de ‘fake news’ num outro grupo”, explica. Emváriospaíses, éverdade, discutem-sepolíticasdereduçãodedanos. “Hámuitas iniciativas emcursopara melhorar isso,melhoraratransparência, easprópriasplataformas, comoo WhatsApp, também estão tentando reduzironúmerodeencaminhamentos emelhorar aalfabetizaçãodentro da plataforma. Há a possibilidade de pedirqueosusuáriosdasredesdenunciem às organizações de mídia ou de checagem de fatos quando virem desinformação”, citouNic Newman, do Instituto Reuters. Seja como for, voltamos a uma constatação fundamental apresentada no início deste texto: a importância do jornalismo (entendido como atividade que segue rígidos protocolos, nas palavras de Luiz Chinan). Para Eugênio Bucci, este deve ser o parâmetro, o divisor de águas no oceano de informações existente atualmente. “Uma mentira publicada num site jornalístico ou numa televisão pode ser contestada. Porque uma emissora tem o seu endereço, seus jornalistas são conhecidos, as pessoas que se sentem prejudicadas têm para onde escrever, ligar, no limite têm a quemprocessar. De forma que aquela mentira será corrigida de uma forma ou de outra. Na indústria das ‘fake news’ é o contrário. Se alguém é prejudicado comuma informação que circula nas redes sociais enão tema sua origemcerta, não tema quemreclamar. Você não pode processar essa origemporque ela é desconhecida.” Semessadistinção, ocaminhopara uma sociedade civilizada –doponto de vista da comunicação – seguirá repletodeobstáculos. Seocomportamentodopúbliconãomudar (e seguramente os veículos de imprensa e as plataformas de conteúdo têmresponsabilidade nisso), a qualidade do jornalismo (entendido de forma ampla) seguirá arranhada. “Para a sociedade, muitas vezes quando se trata de ‘fake news’, os veículos são equivalentes. Eo créditodepositado no conjunto dos meios sai prejudicado”, observa Eugênio Bucci. Enãoéprecisodizerosefeitoscolateraisdesteprejuízoparaasociedadee, porconsequência,paraademocracia. ■ rodrigo ryan piscitelli é repórter da TV Cultura
RkJQdWJsaXNoZXIy NDQ1MTY1