Revista de Jornalismo ESPM - 28

60 JULHO | DEZEMBRO 2021 PARA LER E PARA VER LEÃO SERVA HÁ UM PARADOXO CONTEMPORÂNEO: o jornalismo vive uma profunda crise de modelo econômico ao mesmo tempo que cresce sua influência política. Os casos típicos são os Estados Unidos sob Donald Trump e o Brasil de Jair Bolsonaro, dois autoritários militantes do combate à imprensa que provocaram o crescimento da importância e da credibilidade do jornalismo em seus países. O efeito colateral desse entrechoque é o surgimento de uma excelente cepa de reportagens de fôlego que encontram nos livros a plataforma para publicação integral, de ensaios sobre a situação da imprensa e da conjuntura política que cria o atual ambiente conturbado em todas as instâncias da vida humana. Esta edição se compõe de notas sobre onze livros recentes (um deles, com oito autores, cada um com uma visão peculiar dos fatos) para compor a biblioteca básica tanto de quem quer enfrentar os atuais tempos bicudos como de quem quiser se distrair em uma ilha deserta até a crise (ou o mundo) acabar. ■ 11 livros e 18 visões distintas sobre o jornalismo e outras questões da vida Recurso final “NA MANHÃ DO DIA 2 DE OUTUBRO DE 2017, o reitor da Universidade Federal de Santa Catarina subiu ao 7º andar do Beiramar Shopping, em Florianópolis, e saltou no vão livre. No bolso, levava um papel com a frase: ‘A minha morte foi decretada quando fui banido da universidade!’.” O reitor Cancellier foi o principal alvo da Operação Ouvidos Moucos, uma momentosa ação da Polícia Federal (PF) que imitava a Operação Lava Jato ao investigar um suposto desvio de dinheiro público do projeto de educação a distância da universidade. Na operação Ouvidos Moucos, antes dos policiais tocarem a primeira campainha no alvorecer do primeiro dia, a imprensa já estava informada da acusação: teria sido desbaratada uma quadrilha que desviou R$ 80 milhões em dinheiro público da UFSC, destinados à educação a distância. PauloMarkun leu cerca de 20 mil páginas de documentos ao longo de dois anos para produzir essaminuciosa análise do caso em que o reitor foi condenado antes de ser julgado ou mesmoprocessado. Sua reportagem mostra que a acusação formalizadanoprocessoé inconsistente: os valores mencionados são irrisórios perto dos R$ 80 milhões citados nas ações daPF. Naapresentação do volume, o jornalista diz ter trabalhado no caso sempre com uma pergunta emmente: “A lei é para todos?”. Sua conclusão é de que não. ■ RecursoFinal, Paulo Markun. 296 páginas, R$ 79,90. EditoraObjetiva, 2021 Luz no fimdo túnel O NOME DO EX-MINISTRO JOÃO SANTANA frequentemente é confundido como do ex-marqueteiro das campanhas eleitorais de Lula (2006) e Dilma (2010 e 2014), preso durante a Operação Lava Jato. Mas em uma era geológica anterior de nossa histórica política, o autor deste livro foi testemunha dos acontecimentos que precederam o impeachment do presidente Fernando Collor de Mello (1990-1992), a quem ele serviu primeiro como chefe da pasta da Administração Federal e depois como ministro da Infraestrutura. Aos 32 anos, como um dos mais jovens ministros do gabinete de Collor, Santana foi o responsável por uma profunda reforma do Estado brasileiro que mal saía da ditadura militar e de um governo Sarney consumido pela inflação e pelas dificuldades da transição política e da Constituinte. Como advogado, Santana foi executivo de grandes empresas de infraestrutura e, neste primeiro livro, ele reflete sobre os problemas do Estado brasileiro, com sua estrutura cara e pesada, que exaure a capacidade de investimento. A partir do relato detalhado sobre as mudanças administrativas que conduziu, ele aponta os caminhos necessários ou possíveis para dar agilidade para o Leviatã brasileiro. E cita muitos casos de sucesso no exterior que poderiam ter inspirado o país ao longo das diversas, constantes, tentativas de melhorar o Estado, a cada governo. ■ OEstadoaquechegamos, JoãoSantana. 352 páginas, R$60. EditoraAltaBooks, 2021

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