Revista de Jornalismo ESPM

18 JANEIRO | JUNHO 2022 ao assassinato de George Floyd nos Estados Unidos – reforçarama tese de que documentar faz diferença, ainda que o ecossistema maior da confiança pública esteja em condiçãoprecária.Manifestanteshoje têm sua própria câmera; praticamente não há consenso sobre o que é jornalismo. Questões de identidade e propósito, no entanto, não são novidade: em 1969, quando perguntaram a Walter Lippmann – fundador da The NewRepublic, vencedor de dois prêmios Pulitzer e autor de PublicOpinion – emumsimpósio na Columbia JournalismSchool como “meios demassa”deveriamapresentar temas complexos aopúblico, opai do jornalismo americano moderno disse: “Primeiro de tudo, não sei o suficiente sobremeios demassa. Sei umpouco sobre jornalismo, mas sei muito pouco sobre a radiodifusão”. E o que via o deixava “totalmente insatisfeito quase sempre”. Parecia tudo muito “dramático”. Jornalistas não baixaram o tom; talvez não devam, nunca. Quando governo e imprensa se enfrentam, cada lado aposta no que o público vai pensar. Em1961, depois da debacle da baía dos Porcos, Kennedy atacoua imprensapornão ter silenciado em nome da segurança nacional. Esse conflito – entre não só o que a imprensa sabe, mas o que deve revelar – é uma constante, assim como o governo confundir segurança com passar vergonha. Em1971, o governo Nixon conseguiu uma liminar para impedir o NewYork Times de publicar trechos dosDocumentos doPentágono, cuja grande revelação era a extensão da mentira contada por sucessivos governos para ocultar o que de fato ocorria noVietnã. O New York Times ainda brigava contra a liminar, que a SupremaCorte acabaria derrubando, quando o WashingtonPost começou a publicar trechos da papelada. Como observouGloria Cooper ao analisar o livro dememórias da então publisher do WashingtonPost, KatharineGraham, de 1997, essa decisão–umamescla de solidariedade, petulânciae faro jornalístico aguçado – alçou o Post à cena nacional, antesmesmodeWatergate. Para Cooper, o que diferenciava Katharine Graham de seu marido, Philip, que chefiara o jornal até seu suicídio, em 1963, não era que ela tinha menos experiência, mas que Philip era próximo demais de JFK. A proximidade tinha distorcido sua compreensão de seu papel. Sua mulher não estava, como ele, bolando estratégias com Kennedy na convenção de 1960. Mas, como jornalista, ela era melhor. Na edição de novembro/dezembro de 2001, a CJR publicou um texto de Nick Spangler, um então aluno da Columbia Journalism School que estava a poucas quadras do World Trade Center naquela manhã de 11 de setembro (hoje, é repórterdojornal Newsday.)Seutítulo é“Witness”(Testemunha) e, comono caso de Altgens, hámuito que Spangler pode testemunhar, incluindo o som do impacto no solo de uma mulher loira com saia verde da cor domar (“Não pude ver o rosto dela. Não diria que queria ver, mas achei que era importante.”). Boa parte do texto, no entanto, é sobre a busca de Spangler, entre nuvens de poeira, por gente que tivesse visto mais do que ele. Walter Lippmann, em sua conversa comestudantes de jornalismo, se mostrava cético sobre a capacidade do público de lidar coma complexidade. A esperança é que não estivesse totalmente correto sobre isso. Lippmann parecia, isso sim, ter profunda fé na capacidade do público de, como ele disse, “dizer sim ou não”. E, em um tema crucial à época, a guerra no Vietnã – razão das manifestações em Chicago –, Lippmann identificou como a confiança é, em última instância, posta à prova: “Com relações públicas, não foi possível fazer nada sobre a Guerra do Vietnã”, disse. “Até tentaram. Johnson provou toda técnica que pôde para ocultar a guerra e, depois, para torná- -la aceitável. E não deu certo.” Ou seja, quando você sabe, você realmente sabe! ■ amy davidson sorkin ingressou na revista The New Yorker em 1995 e é redator da equipe desde 2014 “Esse conflito – entre não só o que a imprensa sabe, mas o que deve revelar – é uma constante, assim como o governo confundir segurança com passar vergonha” Texto publicado na edição impressa da Columbia Journalism Review (60th anniversary - 2022), disponível em www.cjr.org

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