22 JANEIRO | JUNHO 2022 e me bateram com a arma e a barra demetal”. Salihmemostrou grandes cicatrizesatrásdaorelhaenascostas, que, segundoele, eramfrutodabriga. Por sorte, gente dali que o conhecia veio em seu socorro. Os homens fugiram. Dias depois, conta, passava a pé perto do gabinete do governador quando um homem saiu de um carroeabriufogocontraelecomuma pistola automática. Oatiradormirou alto, mas Salih se abaixou. Devido a casos como este, iraquianos que colaboram para veículos de comunicação do Ocidente são obrigados a levar uma perigosa e sofrida vidadupla.Umamulher, que chamareideSalama,mecontouquetrabalha parajornaisamericanoshámaisdetrês anos semque seus amigos e vizinhos saibam. “Meuscolegasaqui tampouco contam aos vizinhos que trabalham para uma agência de notícias americana”, disse. Sentados emumquarto dehotelutilizadopelomeioparaoqual Salama trabalha emBagdá –há guardasarmadosnosaguãoesegurançano quarto ao lado –, ela me contou que, para justificar as longas horas de trabalhoavizinhoseamigos, dizquetrabalhaparauma instituição financeira comfiliaispelomundotodoeque fica até tarde por causa do fuso horário. AtensãodessavidaduplatinhaafetadoSalamaeafamília.Emborafalasse emumtombastantecalmoeeducado, sua frustração era óbvia. “Para apurar umareportagem,vocêarriscaaprópria vida”,dissecomnaturalidade.“Àsvezes meperguntoseopovonosEstadosUnidos realmente entende o que precisamosenfrentarparafazerumamatéria.” Para ilustrar oquedizia, contoucomo fora empurrada por trás por um iraquianoenquanto faziaumacobertura comumrepórterestrangeiro, comose viu emmeio a um tiroteio na violenta favela de Sadr City, emBagdá, e como foi ameaçada por umgrupo de insurgentes durante uma cobertura. Isso dito, emumpaís compoucas oportunidades, o jornalismo é um meio de ganhar a vida e de se envolver. “Não dápara saberquandoalgopodeacontecerconosco”,disse. “Mas,aomesmo tempo, não posso parar de viver.” Assim como Salama, Yousif é discretosobreoquefaz. “Noventaecinco por centodosmeus amigos – amigos chegados – não sabem que trabalho com jornalistas”, disse Yousif, que é fluente em inglês e começou a trabalhar para omeio americano como gerente de TI da sucursal. “É muito perigoso dizer aos outros que você está fazendo isso. Digo que trabalho para uma empresa de informática.” Todomundo supõe que insurgentes sabemquais sãooshotéis eoutros poucosendereçosonde ficammuitos jornalistas. Yousif diz que toma precauçõesnaidaevindadotrabalho.Em geral, percorreapéumaboadistância do lugar antes de tomar umtáxi e, na idaparao trabalho, pedeparaserdeixadoempontosdiferentesevai caminhandoatéocomplexo.Masestásemprecomopéatrásedeolhonos taxistas. Certa vez, um táxi o pegou perto do complexo da empresa e o motorista parecia muito interessado na vizinhança e no povo hospedado nos hotéisali perto.Diasdepois, omesmo taxistapegouYousifpertodesuacasa, longedocomplexo, ecomeçouafazer asmesmasperguntas.Yousifpediuque o levasseparaoutro lugar, totalmente diferente, e de lá tomou outro táxi. Alémdequestõesdevidaoumorte, stringers iraquianos enfrentam problemas mais banais. Yousif, por exemplo, queria escrever mais, mas, segundo ele, “só mencionarammeu nome em umas cinco matérias, pois a maioria dos jornalistas quer fazer suaspróprias reportagens”. Jornalistasestrangeiros lhedãomuitosconselhos, noentanto, “sobrecomoexaminar um fato de umângulo distinto, o que é importante eoque interessa às pessoasde foradoIraque.Essaúltima parte às vezes é a mais difícil: tentar pensar como um sujeito americano e quais assuntos podem interessar os americanos”. Especialmente no início, disse, ele tentava vender uma pauta aos jornalistas, algo que tinha puxado de conversas ou ouvido na rua ou lido em sites de insurgentes – só para ouvir de volta que aquela pauta provavelmente só era interes- “Yousif e Ahmed passaram a ver o jornalismo como a única maneira de contar corretamente a história de seu país, e ambos estão se candidatando a bolsas de jornalismo no exterior”
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