38 JANEIRO | JUNHO 2022 parecesse, o jornalismo não teria nenhum sentido”. Quando escrevi no início domês passado, o exército russo estava concluindo sua retirada da área em torno de Kiev, e a escala da devastação que deixou para trás começava a ficar clara (o corpo de Levin foi encontrado naquela época na região de Vyshhorod; os corpos de Nezhyborets e Zamoysky foram descobertos depois disso em Yahidne e Bucha, respectivamente). Desde então, a Rússia fechou o foco no sul e no leste da Ucrânia e, segundo uma lista compilada pela Repórteres sem Fronteiras, a violação à liberdade da imprensa também se concentrou cada vez mais nessas grandes áreas. No dia 4 de abril, o bombardeio russo nas cercanias da cidade de Mykolaiv atingiu dois veículos pertencentes a uma equipe da CNN, destruindo um deles; duas semanas depois, um novo ataque a Mykolaiv causou danos à sede local de uma emissora pública ucraniana. De lá para cá, jornalistas estrangeiros relataram ter sido alvo de ataques perto de Kharkiv, Zaporizhzhia e na região de Donetsk, onde uma equipe ucraniana foi atacada por bombas de fragmentação. Enquanto isso, em meio à guerra, a Rússia deteve jornalistas em diversas localidades da Ucrânia. No dia 29 de abril, Irina Danilovich, jornalista e enfermeira, foi detida na Crimeia, anexada pela Rússia em 2014. Danilovich continua presa sob a acusação de ter manipulado explosivos, o que nega. Seu advogado, que só conseguiu localizá-la duas semanas depois da detenção, alega que ela foi interrogada, maltratada e ameaçada de ser levada “para o mato” — ou para Mariupol. Isso não quer dizer, obviamente, que a ameaça à imprensa não se faça presente em toda a Ucrânia — se faz, sim, e assume variadas formas. Muitas são econômicas. Um informe recente de uma organização em Kiev, a Media Development Foundation, que Gabby Miller cobriu para a CJR e o TowCenter, revelou um alto grau de preocupação com a viabilidade financeira emmeios ucranianos, com a receita publicitária minguando e muitos temendo ter de fechar em breve as portas; o informe também revelou que cerca de 80% dos meios locais pediram ajuda internacional desde o início do conflito, muito mais do que a porcentagem que pediu doações a leitores. Em um texto publicado no TheWall Street Journal, EfimMarmer, editor da publicação semanal Ukrayina-Tsentr, disse que fontes estrangeiras de recursos não estão fazendo o suficiente para ajudar a mídia ucraniana a sobreviver. A seu ver, a atitude “parece ser que é bom que sigamos escrevendo, mas que não importa muito se formos obrigados a parar, que nada impedirá que os jornais voltem a circular quando a guerra acabar”. Até mesmo a distribuição do jornal, escreveuMarmer, é um “caos” logístico no momento, com o custo do papel nas alturas. Marmer também teme que seu veículo entre em colapso em breve – e esse é seu cálculo “otimista”. A mídia local, naturalmente, sofreu um baque particularmente forte nos lugares mais atingidos militarmente, comoMariupol, que foi tomada completamente pela Rússia — depois de a Ucrânia ter abandonado seu último reduto de resistência emuma siderúrgica em meados de maio. Em uma minuciosa reportagem, Mark MacKinnon, correspondente do jornal canadense Globe and Mail, observou que uma “aguerrida imprensa independente” se estabelecera nos últimos anos na cidade, que foi se convertendo mais e mais em um centro cultural e intelectual, sobretudo depois de forças apoiadas pela Rússia terem ocupado a região vizinha de Donetsk em 2014 e de as elites locais, incluindo parte dos profissionais da mídia, Coma Rússia sitiando a cidade – e intensificando a disseminação de uma narrativa profundamente distorcida sobre sua ação ali –, expor a verdade ficou difícil
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