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André Cauduro D’Angelo 21 JULHO / AGOSTO DE 2008 – R E V I S T A D A E S P M O ex-presidente referia-se, provavel- mente, ao respeito pela democracia e pelas instituições que marcara seu governo, mais importante, sob a sua ótica, que qualquer avanço social ou econômico – especialmente quando o país não contava 20 anos de redemocratização e fazia parte de um continente com farta tradição populista e ditatorial. FHC tinha lá suas razões para es- colher ser lembrado pelos motivos acima. Como bom sociólogo, sabia que a tecnocracia é capaz de engen- drar planos econômicos inteligentes, e que algum planejamento pode fazer uma iniciativa assistencialista funcionar a contento, mas que cer- tos traços culturais, entranhados de cima a baixo em uma nação, não de- saparecem de uma hora para outra, por decreto ou força de vontade. O legado civilizatório pelo qual FHC gostaria de ser lembrado era justa- mente esse: a despeito das crises econômicas enfrentadas e da per- sistente desigualdade social, o país passara oito anos em estabilidade institucional – um fato que, se nos EUA e na Europa soaria como banal, por aqui merecia ser festejado. Coincidência ou não, foi ao longo do governo FHC que se consolidou no Brasil uma corrente de pensa- mento até então pouco notada: a dos que acreditam que o subdesen- volvimento econômico e social do país deriva, sobretudo, de questões culturais. Dos antepassados portu- gueses e indígenas, o brasileiro teria herdado o desprezo pela educação e a aversão ao trabalho, matérias-pri- mas que, ao longo do tempo, teriam originado traços de caráter tão tipi- camente nacionais quanto maléfi- cos: o jeitinho, a improvisação, a in- formalidade excessiva, a resistência à meritocracia, a crença no poder salvador do Estado e a acomodação crônica. Segundo essa visão, os problemas brasileiros não seriam frutos, portanto, de elites egoístas ou nações primeiro-mundistas opressoras ou mesmo de governos ineptos e mal intencionados, e sim de umDNA cultural defeituoso que, ao longo do tempo, só fez multi- plicar suas imperfeições originais. A prescrição dos defensores desse ponto de vista sempre foi clara: o país jamais daria o salto qualitativo necessário se não passasse a cultivar princípios semelhantes àqueles que O país não contava 20 anos de redemocratização e fazia parte de um continente com farta tradição populista e ditatorial. A despeito das crises econômicas enfren- tadas e da persistente desigualdade social, o país passara oito anos em estabilidade institucional – um fato que, se nos EUA e na Europa soaria como banal, por aqui merecia ser festejado. Ð Google Images Cartilha do Plano Real
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