Revista da ESPM JUL-AGO_2009

Glória Moraes e Fernando Padovani julho / agosto de 2009 – R e v i s t a d a E S P M 107 Olhando sob determinada perspecti- va, para alguns, essa tendência não deixa de ser positiva, pois contribui, semdúvida, para “civilizar” os padrões da oferta de produtos nos mercados e de estimular o surgimento de novas instituições voltadas para a padronização e garantia de qualida- de para os diversos produtos, sejam tangíveis ou intangíveis. Claro que existem exageros de parte a parte. “Fundamentalistas” emergem em meio a uma legião de consumi- dores mimados, e parecem pelejar pela ordem correta do queijo sobre o hambúrguer comamesma determi- nação que um “comunard” atacava barricadas diante da Bastilha. Ao mesmo tempo, alguns fornecedores parecem se entusiasmar coma preca- rização de muitos direitos e acabam por flexibilizar padrões de qualidade na mesma intensidade. Mas, seja como for, a discussão da regulamen- tação do consumo vai mais longe, e obviamente transcende a esfera doméstica, e acaba se defrontando com implicações globais e, de ma- neira insuspeita, acaba interagindo até com as relações internacionais. As disputas e reivindicações locais so- bre as condições de consumo acabam, principalmente, quando envolvem interesses estratégicos, sendo utili- zados como parâmetros normativos para reserva de mercados, podendo até, eventualmente, legitimar políticas comerciais de caráter protecionista. O que não é de espantar, pois, coma glo- balização econômica, e sua tendência de abertura de mercados, vivemos em tempos de certa sensibilidade no que se refere a interesses comerciais conflitantes. E, emmomentos de crise econômica, se exacerbam ainda mais tais sensibilidades relativas às disputas estratégicas por fatias de mercado. Basta lembrar o recém-empossado presidente Obama conclamando seus cidadãos a consumiremprodutos americanos, “buy American !” Além disso, no âmbito das instituiçõesmulti- laterais, é comumexistireminstrumen- tos coercitivos, nos quais prevalecem, quase sempre, interesses hierárquicos. No campo das relações interna- cionais, não devemos nos espantar com esse tipo de poder coercitivo, uma vez que a discussão sobre a interdependência do poder polí- tico e do poder econômico são objeto da preocupação de amplo espectro de interpretações. São questões exaustivamente explora- das por Susan Strange (1994), de formação histórico-estruturalista, mas também por Joseph Nye (2002), e por outros adeptos do multilateralismo liberal 4 . No campo do comércio internacio- nal, compromissos formais têm sido assumidos perante a Organização Mundial de Comércio (OMC) no sentido de reduzir tarifas e outros artifícios de protecionismo, como concessão de subsídios, o que, em tese, traria ganhos globais para todos os envolvidos. Entretanto, o que é negociado internacionalmente aca- ba esbarrando em dilemas concretos e imediatos, como a exposição de interesses domésticos, setoriais e locais à concorrência global. Numa tentativa de conciliar os dois mundos, abertura e proteção, disse- minam-se estratagemas de, por um lado, redução de tarifas, com, por outro lado, a fixação de barreiras de outra natureza para a proteção dos mercados locais. Surge um neopro- tecionismo travestido de exigências normativas de ordem técnica, sanitá- ria, burocrática, social ou ambiental, cada vez mais comum na economia global contemporânea. Como tais iniciativas compõem o mundo da política, a questão da legitimação nunca é desprezível. Em questões de interesse estratégico, tais iniciativas protecionistas podem ancorar sua legitimação sobre de- mandas do consumidor local, numa feliz (e estratégica) coincidência de interesses. O que, por um lado, é E, em momentos de crise econômica, se exacerbam ainda mais tais sensibilidades relativas às disputas estraté- gicas por fatias de mercado. Basta lembrar o recém-em- possado presidente Obama conclamando seus cidadãos a consumirem produtos ame- ricanos, “buy American !” s î M. Dueñas

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