Revista da ESPM JUL-AGO_2009
R e v i s t a d a E S P M – julho / agosto de 2009 108 Relações de consumo e relações internacionais percebido como umautêntico “desvio de conduta” corporativo por parte dos consumidores, por outro lado, pode até ser instrumentalizado como base de legitimação para uma política pública seletiva para a proteção de determinado segmento de mercado nacional, em contradição aos formais compromissos assumidos de comércio internacional não discriminatório. Na última década, onde os limites entre interesses públicos, interesses nacionais, interesses de grupos privados e ativismo do consumidor se sobrepuseram, não deixando que se delineassem com clareza o que eram políticas públicas e quais políticas governamentais eram rea- lizadas com o objetivo de atender a grupos de interesse e proteger segmentos de mercado. Igualmente, muitas iniciativas foram apoiadas por mobilizações de instituições vol- tadas para a defesa do consumidor e em nome dos interesses públicos do consumidor, quando também aten- diam, de forma direta ou indireta, interesses de ordem privada. Entre os setores mais sensíveis a esse tipo de superposição de inte- resses estão os setores de alimenta- ção e medicamentos, de aparelhos de precisão, e até mesmo no setor de brinquedos, enfrentando exi- gências bastante específicas para a composição dos produtos, tendo em vista as eventuais ameaças à saúde. Recentemente, uma ini- ciativa quase mundial se levantou contra o gigantesco conglomerado chinês de brinquedos, quando restrições de importações foram impostas em nome das iniciativas de defesa dos consumidores, haja vista a existência de componentes prejudiciais à saúde, como as tin- turas à base de chumbo. Outro exemplo ainda mais candente, e complexo, é a questão dos produ- tos geneticamente modificados, no Brasil, popularizados com o nome de transgênicos. Na Europa, as reivindi- cações dos consumidores têm sido ouvidas, acolhidas e transformadas em regulamentações públicas sobre condições de informação e consumo. Existem ainda situações pouco claras de superposição de interesses, no que se refere à estrutura produtiva europeia predominantemente não-transgênica, aos interesses dos consumidores e ao perverso peso do financiamento público para a sociedade civil orga- nizada, em função do tipo de causa advogada, como as organizações de consumidores e ambientais. Ainda em outros casos, verificou-se que medidas restritivas, em relação a produtos importados, baseadas em reivindicações demovimentos de con- sumidores foram adotadas por parte dos governos locais. Esse foi o caso da proibição europeia para a importação da carne bovina americana, tratada com hormônios. Organizações de consumidores europeias reivindica- ram tanto a limitação de importação quanto a etiquetagem explícita destes produtos, em nome dos interesses de saúde pública, o que acabou por le- gitimar, demaneiramuito oportuna, o bloqueio comercial pelas autoridades europeias, tendo em vista a produção de carne bovina na União Europeia não seguir a esse procedimento. Vale lembrar que a disputa pelos mercados consumidores de carne bovina é um dos “fronts” mais renhidos da batalha comercial entre Europa e EUA. Esse caso foi objetode queixa america- na à OMC em 1997, na sua instância de soluçãodecontrovérsias, conhecido como caso WT/DS-26-EC. Medidas semelhantes deprotecionismonão tari- fário foramadotadas, soba alegaçãode atender aos interesses de associações deconsumidores emquestõesde saúde pública, foramadotadas pelo Japão, em relação à importação de maçãs; pelos EUA, em relação à importação de ca- marões; ou pela Austrália, em relação à importaçãode salmão. 5 Outros casos onde medidas protecionistas têm sido adotadas, a partir de mobilizações de consumidores, relacionam-se a produ- tos pirateados, coerentes com as dis- cussões sobre propriedade intelectual no plano internacional, especialmente depois da formalização do acordo “Trade-Related Aspects of Intellec- tual Property Rights” (TRIPS), no quadro da OMC. Entre os setores mais sensíveis a esse tipo de superposição de interesses estão os setores de alimentação. Um exemplo contundente, e complexo, é a questão dos produtos geneticamente modificados, no Brasil, popularizados com o nome de transgênicos. s Svilen Mushkatov
Made with FlippingBook
RkJQdWJsaXNoZXIy NDQ1MTcx