Revista da ESPM JUL-AGO_2009

R e v i s t a d a E S P M – julho / agosto de 2009 34 A força do hábito versus o hábito da força reitos das crianças e dos adolescentes, relacionadas a relações de consumo em geral, bem como ao excessivo con- sumismo ao qual são expostos” – tem sidoemblemáticona lutapelaproibição da publicidade. Suas intervenções em debates públicos, ainda que frágeis no conteúdoilustrativo, sãoacompanhadas de um discurso lamurioso e vitimista e com notável intenção insufladora. É ridículo, mas, por incrível que pareça, faz-se convincente em alguns ambien- tes formadores de opinião, um padrão de argumentação que põe agências de publicidade, veículos de comunicação e anunciantes em oposição ao desen- volvimento saudável das crianças. Não faltam na sustentação desse discurso citações recorrentes das “tendências” docomportamentoglobal sobreo tema. E como nossas plateias costumam ser econômicas em termos de pesquisa e estudo, inclinam-se, em geral, a uma aceitação pura e simples das infor- mações como verdades. Bastará, no entanto, uma investigaçãoatenta, ainda que despretensiosa de maior rigorismo científico, para constatarmos que, em- boraomundodiscutaa inconveniência da abordagem da criança nos apelos publicitários, caminhamos muito mais para a construção de acordos autor- regulatóriosdoqueparaadecretaçãode proibições. Em 2007, os onze maiores produtores de alimentos da Europa, e que representam cerca de 50% da ver- ba publicitária aplicada no continente, assinaram o documento denominado “EU-Pledge”, em que se comprome- tem a seguir certas recomendações nos anúncios dirigidos às crianças. A princípio estabelecido para entrar em vigor em 2010, teve sua aplicação antecipada por alguns dos signatários, como o caso da Nestlé que, no início deste ano, informou que não veicularia maismensagens dirigidas amenores de seis anos. Certamente colaborou para acelerara idealizaçãoeamaterialização deste entendimento, que estabelece limites éticos na comunicação publi- citária sem sacrifício da liberdade de expressão, a tentativadaSuécia, quando presidiaaUniãoEuropeia,deconvencer a todosospaíses-membrosdepassarem a aplicar as mesmas medidas restritivas impostas ao mercado sueco. O país proíbe qualquer tipo de publicidade dirigida às crianças menores de doze anos. Não por acaso o seu exemplo tem servido de bandeira nas pregações do Instituto Alana. Como curiosidade, porém, vale lembrar alguns problemas importantes na vida desta nação que restringe vigorosamente a publicidade: o suicídio é a principal causa de morte no grupo etário entre 15 e 44 anos; o alcoolismoé aprincipal causademorte dos jovens; houveumaumentode14% nos registros de abusos contra crianças, entre 2005 e 2006, em que pese vigo- rar uma sugestiva lei “anti-smacking” (em bom português “anti-tabefe”); as ocorrências de abusos contra crianças são 49% maiores do que nos Estados Unidos... Mais uma vez vale registrar a falta de contextualização do modelo antes de adotá-lo como objetivo. Para o bem da liberdade e da democracia, vigorou o bom senso e a Comunidade Europeia não atendeu à recomen- dação da Suécia e tem estimulado a autorregulamentação, como ocorre no “EU-Pledge”. Interessante observar que essa opção, que privilegia o respeito à civilidadeeàcidadania,jáéadotadapor aqui há mais de 30 anos, por meio do Código Brasileiro de Autorregulamen- tação Publicitária. O Brasil é pioneiro na implantação do mais democrático e eficiente instrumento regulador do conteúdo das mensagens publicitárias, que despertou o interesse e foi bastante copiado em outros países. Desde sua Stalimir Vieira Publicitário de ofício há 34 anos e autor de “Raciocínio criativo na publicidade” e “Marca: o que o coração não sente os olhos não veem” (Editora Martins Fontes). primeira definição, o CONAR vem sofrendo aperfeiçoamentos pela livre manifestaçãoeparticipaçãodasocieda- debrasileira,moldando-senaturalmente aos novos padrões de comportamento. Diantedessarealidade,nãoseráexagero supor queos adversáriosdapublicidade têm como objetivo bem mais do que simplesmente propor novos limites à comunicação comercial, mas valer-se de causas sensíveis para, no final das contas, encorajar outros projetos de tutela da sociedade. Só isso justifica demandas por legislações mais radical- mente restritivasdentrodeumambiente já regulado, naturalmente, pela Consti- tuição Federal e, ainda, pelo Código de DefesadoConsumidor eAutorregulado pelo CONAR. O fato é que propor ob- jetivamente proibições à publicidade, no lugar de uma razoável regulação dos conteúdos das mensagens, atenta à independência econômica e, portanto, editorial dos meios de comunicação. É, portanto, um tema delicado de que os governos do mundo democrático têm tratado com responsabilidade, confian- do aos atores do mercado iniciativas autônomas e obtendo progressos im- portantes e permanentes nas relações destes com os consumidores e com a sociedade em geral. O que faz todo o sentido, pois demonstra que, acima de tudo, impõe-seorespeitoànaturezadas práticas e hábitos das sociedades, não importando as convicções individuais discordantes. Esteéocaminho, amenos que queiramos sujeitar os cidadãos ao nosso entendimento do “que é melhor para a sociedade”, aplicando-lhes o péssimo hábito do uso da força. ES PM

RkJQdWJsaXNoZXIy NDQ1MTcx