Revista da ESPM JUL-AGO_2009

R e v i s t a d a E S P M – julho / agosto de 2009 58 Comunicação e consumo: cidadania em perigo? que só almeja a satisfação de seus pró- prios desejos.Voltamo-nos para outras concepções, mais de acordo com a dinâmica da realidade contemporâ- nea e com o comprometimento dos que pretendem, a partir da realidade concreta e objetiva – e não daquela “ideal” presente no sonho de cada um – construir uma nova variável histórica, que dará voz a todos. SegundoAlonso (2006), (nós) nos encontramos comumamescla realista de manipulação e liberdade de compras, de impulso e reflexão, de comportamento condi- cionado e uso social dos objetos e símbolos da sociedade de consumo. E ao fazer do consu- midor não um ser isolado e desconectado do resto de seus contextos sociais, e sim portador de percepções, representações e valores que se integram e completam como resto de seus âm- bitos e esferas de atividade, passamos aperceber o processo de consumo como um conjunto de comportamentos que recolhem e ampliam, no âmbitoprivadodos estilos de vida, asmudanças culturais da sociedade em seu conjunto 1 . Nocontextodas práticas sociais, a ideia certamente preconceituosa de que o consumo seria uma prática impulsiva, incontrolável e danosa que resultaria obrigatoriamente no desperdício do consumismoaproxima-seda visão fun- cionalistadoprocessocomunicacional segundo a qual a mídia incidiria sobre sujeitos passivos que absorveriam sem contestação os valores difundidos por ela em sua vida prática. Produção, mídia e consumo Sabemosqueproduçãoeconsumonão são entidades autônomas, mas integra- das: produção e consumo semesclam, seconsiderarmos acrescente tendência àcustomizaçãodaprodução.Devemos levar em conta ainda a extraordinária importância dos intangíveis (marcas, serviços, imagem etc.), na construção de valor nos tempos atuais. O imaterial e o material parecem conviver com clara predominância do primeiro. Tal qual o signo, o bem só recebe seu acabamento final no consumo. Dito de outro modo, a significação desse bem está dada pelo modo como ele é consumido. O mesmo se passa com a significação do signo verbal – a palavra – que se tece na concretude da vida social. Embora permaneça pertinente, a clás- sica noção do consumo conspícuo 2 não subsume a complexidade do fenômeno. Prática social altamente permeável às dinâmicas econômicas e socioculturais nas quais se insere, o consumo apresenta as importantes funções de distinção, classificação e mediação social. A associação entre mídia e consumo evidencia-se como vetor de sociali- zação que deságua, por exemplo, no shopping center. Outrora visto apenas como “templo do consumo”, este espaço tem merecido estudos que desvendam seus múltiplos sentidos na contemporaneidade. Para Alonso, não se trata apenas de um conjunto de lojas. Levando em consideração as “mudanças sociais que afetaram profundamente a expressão de identi- dade” 3 , o autor considera que ele cria e recria “modos de vida”. Segundo este estudioso espanhol, trata-se de “uma forma de integração e uma lingua- gem de comunicação com o mundo social” 4 . Examinando-se atentamente pode-se detectar ali uma série de costumes e tendências referentes aos segmentos ali representados. Estudos sobre hábitos de consumo em grupos sociais, até recentemente conhecidos como periféricos ou mar- ginalizados 5 , indicam uma intensa negociação identitáriapormeiodacus- tomizaçãode bens de consumo típicos da classe média, compreendido como engendramentode laços devinculação e constituição de identidade. Tal viés interpretativo é embasado, dentre outros autores, por JesúsMartín- Barbero 6 , para quem a aspiração ao consumo nas camadas populares não se confundiria comamera reprodução de forças e valores de outras classes, mas tratar-se-ia da própria construção de sentidos na qual os usos “criam ne- gociações a partir do texto-realidade”, negociações essas que devem ser entendidas como formas de resistência identitária e sociocultural. Canclini 7 adverte sobre a importância do consumo e dos meios de comu- nicação na formação identitária e na própria constituição da cidadania hoje. Consoante com o ideário de nossos tempos, mecanismos como o micro-crédito e o crédito consignado em folha de pagamento fazem parte das políticas sociais em vigor em nosso país. Promove-se o direito de consumir como um direito inerente a todos, o que não significa dizer que todos deverão necessariamente consumir da mesma forma. O consumo dos “pobres” Conforme nos lembram Rocha e Bar- ros 8 , é preciso ir além de certa idea­ lização do “mundo dos pobres” para perceber a ênfase da cultura material entre as classes menos favorecidas. Salienta-se aqui a noção de consumo como apropriação e produção de sen- tido. Contrariandocertas interpretações mais tradicionais e elitistas dos estudos

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