Revista da ESPM JUL-AGO_2009
Gisela G. S. Castro e Maria Aparecida Baccega julho / agosto de 2009 – R e v i s t a d a E S P M 59 do consumo, Martín-Barbero adverte que “nem toda forma de consumo é interiorização dos valores de outras classes. O consumo pode falar e fala nos setores populares de suas justas aspirações a uma vida mais digna” 9 . Lembramos, no mundo da ficção, o drama de sinhá Vitória em Vidas secas , a quem faltava uma cama de couro (“Por que não haveriam de ser gente, possuir uma cama igual à do seu Tomás da bolandeira?) 10 ”. Outro exemplo clássico, tomado desta vez do “mundo real”, é oque se vê quando se rememora o primeiro ajuste salarial, concedido aos cortadores de cana, do Recife, no início da década de 1960. Esgotaram-se naquela cidade os esto- ques de colchãoede radinhos depilha. Estes últimos passaram a acompanhar o trabalhador e, durante a jornada de trabalho, ficavam dependurados nos cabos das enxadas. Como dissemos, diversos autores defendem que o cidadão tem direito não apenas àqueles que já são tra- dicionalmente reconhecidos pelo Estado. A eles deve acrescer-se o seu direito ao exercício das “práticas so- ciais e culturais que [lhe] dão sentido de pertencimento” 11 e permitem sua participação em múltiplos territórios, propiciando a arquitetura de suas identidades. Entre estes direitos está o de consumir, sejam serviços, bens materiais ou simbólicos. Trata-se de conceber exercícios cidadãos que, em certo sentido, ultrapassam os limites da territorialidade. É notável opapel desempenhadopelos meios de comunicação, peças-chave de dispositivos comunicacionais, tec- nológicos e mercadológicos que se alinham no processo que hoje deno- minamos midiatização da cultura. Trata-se de uma concepção na qual a mídia – o conjunto de tecnologias de comunicação – desempenha o papel de mediadora privilegiada no contexto sociopolítico e psicocultu- ral contemporâneo. Os novos territórios nos quais circu- lamos constroem consumidores que congregam aparentes contradições, que podem ser compreendidas como expressão de singularidades. Emnossa sociedade, o consumo e os meios de comunicação compõem um todo de partes indissociáveis e interdependen- tes. Esse todo rege a subjetividade e a formação das identidades. A publici- dade apresenta-se como aliado fun- damental responsável pela estetização do cotidiano e pela possibilidade de produção contínua para um mercado fluido, favorecendooescoamentomais céleredaprodução, demodoa respon- der às atuais dinâmicas do mercado. Amídia, porém, não é o único suporte de divulgação do consumo material e simbólico. Opróprio cotidiano é locus privilegiado para a divulgação rápida e eficaz de todo tipo de bens e serviços. Sendo assim, o discurso publicitário está presente dentro e fora dos espaços tradicionais. Hoje a publicidade está nas ruas, na escola, no jornal dito infor- mativo, nos demais produtos culturais, nos espaços de lazer etc. Com a sugestiva noção de sociedade como mídia, Dominique Quesada afirma que “as agências investem maciçamente nos setores extramídia a fim de constituir um serviço de comu- nicação global capaz de acompanhar todos os aspectos da vida cotidianados consumidores” 12 . Ressaltamos o papel central dos meios de comunicação na veiculação e con- solidação das práticas de consumo, salientando a estreita aliança entre a cultura midiática e a cultura do con- sumo. É importante destacar ainda as novas tecnologias de comunicação e informaçãona reorganizaçãodemode- los denegócios epadrões de consumo. Já as intuições de McLuhan assinala- vam que o primado da cultura letrada, ligadaapressupostosmecânicos, estava cedendo lugar para uma nova forma- ção cultural de cunho marcadamente Com o primeiro ajuste salarial, concedido aos cortadores de cana, do Recife, no início da década de 1960, esgota- ram-se, naquela cidade, os estoques de radinhos de pilha, que passaram a acompanhar o trabalhador dependurados nos cabos das enxadas. s î Dmitry Poliansky
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