Revista da ESPM JUL-AGO_2009
Entrevista R e v i s t a d a E S P M – julho / agosto de 2009 78 desfeitos também por 3/5 de votos do Congresso Nacional”. Ou seja, é como se fosse uma emenda à Constituição. JRWP – Outra coisa também que ficou clara é que a Liberdade de Imprensa, assim como a Liber- dade de Expressão de outras instituições ou entidades são consequências da liberdade in- dividual de opinião e de acesso à informação. O senhor concorda com isso? MICHEL TEMER – Talvez um pou- co mais do que isso. Você sabe que essa Constituição é fruto da oposição ao sistema autoritário, cuja Carta anterior – a de 1967, modificada em 1969 – era um texto jurídico e politicamente centralizador. O movimento da Constituinte em 1987/1988 visou a implantar um sistema descen- tralizador, que se revela – mas, nem sempre é assim percebido – na própria estrutura da Cons- tituição. O Estado não existe por si, mas para satisfazer os direitos dos indivíduos. É pela falta dessa percepção que hoje se usa tão, digamos, indiscriminadamente, o termo republicano . Ele tem uma acepção condicional: a de que a “res” é pública, que “a coisa é pública”. Segue-se que o Estado existe em função dos indivíduos e não os indivíduos em função do Estado. É a razão porque esta Constituição – diferentemente das anteriores – abre-se com o capítu- lo dos “direitos individuais” e só depois vêm os chamados “direitos sociais”. Portanto é uma Constitui- ção que enaltece essa ideia tantas vezes esquecida – o Estado não existe em função das autoridades governantes, mas em função dos indivíduos que a integram. Assim como o princípio republicano comporta a ideia da responsa- bilidade, pois “responder” é ter consciência daquilo que você faz. JRWP – O senhor sabe que, mui- tas vezes, ouvimos de motoristas de táxi coisas inesperadas. Viajei com um motorista baiano, muito loquaz, que contou que estava escrevendo um livro, cuja ideia era chamar a atenção para o fato de que o brasileiro tem muita noção dos seus direitos, mas não dos deveres. Eu o encorajei, claro. Afinal eu, um cidadão, numa Escola, não havia lido a Constituição. Se inferirmos que o homem comum não conhece bem os seus direitos e deveres, o senhor concordaria que nós co- municadores, ou homens públi- cos como o senhor, precisamos difundir um pouco mais esse texto, para estimular a reflexão? MICHEL TEMER – Teríamos de difundir muitíssimo essas ideias, sim. Veja como é curiosa a expres- são “direito e dever”. O direito é uma coisa que as pessoas invocam individualmente, para cada qual. Os deveres são chamados para proteger os direitos coletivos, como no velho ditado “a minha liberdade vai até onde eu não viole a liberdade do outro”. Essa junção de direito e dever é fundamental para a existência do estado demo- crático. Se as pessoas acharem que só há direitos individuais, é claro que poderão invadir áreas alheias, desarmonizando os direitos co- letivos. Por isso é que a ideia de direito e dever é própria dos esta- dos democráticos e é necessário que todos a conheçam – como o motorista, no seu exemplo. JRWP – Ele é certamente um cidadão participativo. MICHELTEMER – Fundamental para a subsistência de um estado demo- crático. Toda vez que as pessoas agem em desacordo com a lei, com o que é a regra estrutural do Estado, elas tendem a desarmonizar as rela- ções sociais, a gerar conflitos, às ve- zes de tal monta que pode acontecer de você viver num Estado democrá- tico e as pessoas começarem a pedir um Estado centralizador, autoritário. O exemplo histórico brasileiro é esse: você tem 20, 30 anos num sistema democrático e 20, 30 anos num sistema autoritário. É assim desde a primeira República. JRWP – Há alternância? MICHEL TEMER – O sistema auto- ritário não resulta apenas de um } Esta Constituição é fruto da oposição ao sistema autoritário. ~ } O sistema autoritário muitas vezes é fruto de um desejo da própria sociedade. ~
Made with FlippingBook
RkJQdWJsaXNoZXIy NDQ1MTcx