Revista da ESPM JUL-AGO_2009

R e v i s t a d a E S P M – julho / agosto de 2009 90 Estamos todos nus Voltando à questão em debate, se a sustentabilidade é algo com mais de 20 anos, qual foi o evento, o fato novo que catalisou o atual estado de coisas, criando umcenário de intensa regulação e fiscalização da publici- dade? Minha primeira aposta recai sobre a evolução dos canais digitais, com a criação de blogs, sites de comunidades e afins, considerando esses canais não como ferramentas no sentido estrito, mas como uma plataforma. Afinal, novas funciona- lidades que exploram aWeb surgem todos os dias e continuarão a surgir e a evoluir, ganhando dimensões cada vez mais desafiadoras. Considerando que o circuito clás- sico da comunicação é baseado na conhecida tríade emissor-mensagem- destinatário (desprezando o meio propositalmente), tal como foi es- tabelecido pela mídia de massa, o canal de retorno sempre foi muito limitado. Por exemplo, o que um consumidor incomodado com de- terminado produto ou mensagem poderia fazer nos anos 70? Escrever uma carta a um jornal? Organizar um protesto? Agora note o que ele pode fazer recorrendo aos canais digitais. Não que o consumidor indignado não possa reclamar a um veículo da grande imprensa – esse mecanismo é tão presente que os jornais, em geral, se abastecem desse posto privilegia- do como um middle man , um inter- mediário com poder de influência entre o indivíduo e as organizações. A diferença é que, hoje, o poder de alcance e de influência nas mãos de um indivíduo comum é enorme. A facilidade de organização e o poder de mobilização dos prosumers dão a essas pessoas um poder de questio- namento indiscutível. Posto isto, minha tese é a de que este graude questionamento inéditoocorre de forma intensa pela possibilidade técnica, mas também por um desejo antigo, latente talvez, que é o de ques- tionar as mensagens, desejo esse que permaneceu adormecido pela impos- sibilidade técnica de um indivíduo se fazer ouvir.Oque não acontecemais... Criação coletiva e corresponsabilidade Este é o desafio: criar uma comunica- ção focada num novo tipo de consu- midor. Umconsumidor bemdiferente, que passa longe da passividade de décadas anteriores. Mais: um consu- midor que cruza referências e procura por outros que, como ele, partilham das mesmas visões. É um agente ati- vo, diferente do mero comprador de produto. Sim, porque, se o comprador encerra sua experiência no ato de aquisição, oconsumidor a levaadiante. É o caso do ferrarista que não só torce pela escuderia de F1, como compra o boné e a camiseta oficiais e outros itens de memorabilia, independente de poder comprar uma Ferrari. Outro caso é o do consumidor que compra a jaqueta do fabricante de motocicleta ou que cria uma relação afetiva com o produto. Contempla, por exemplo, e é envolvido pela publicidade em que o produto não é um fim em si, mas o veículo de uma experiência que pode transmitir jovialidadeououtras relações não implícitas no produto. Criação Pensandodopontode vistado trabalho criativo voltado ao público infantil, podemos afirmar que a principal mu- dança é uma migração que encerra de vez o mito do criador solitário, aquele que tem uma ideia original que res- ponde aos anseios de comunicação de seu cliente. Migra-se para a criação coletiva, de referências cruzadas, de brainstormings e de análises de cená- rio. Pergunta-se: a mensagem pensada pode ter diferentes interpretações ao ser recebida por diferentes públicos?; Há impactos não considerados?; A mensagem contempla todo o ciclo de vida da experiência do produto ou está pensando apenas em facilitar o processo de venda? Parece muito mais complicado, não é? Mas, ao mesmo tempo, desafiador. Esse desafio nos mostra duas ponde- rações importantes. Por um lado, as mensagens rasas exploradas até então – de ir direto ao desejo do consumidor infantil, de pedir o tipo de mensagem ‘peça para o papai ou para a mamãe’ –pegavampesado.Quandonãocaíam na chiadeira de ONGs e afins, eram fiscalizadas na base do conta-fios pelo CONAR. Por outro lado, surgem os questionamentos: é possível desenvol- ver uma comunicação ‘ética’, que não abuse da ingenuidade infantil, que não seja apenas uma ‘compartimentaliza- ção’ da comunicação para o público adulto, calcada emestímulo aodesejo/ consumo/realização?Os produtos, em si, jánão sãoconcebidos desdeoberço de suas referências justamente para explorar este circuito? Canais de TV, por exemplo, nãoescolhemabandonar desenhos ou emplacar um protago- nista de destaque em detrimento de sets de personagens, porque, assim, as possibilidades de merchandising e licenciamento se multiplicam? É nessa dicotomia que reside o desafio da propaganda e do marketing no século XXI. Já adianto: não existem

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