Revista da ESPM Julho-Agosto_2010

R E V I S T A D A E S P M – julho / agosto de 2010 78 A cidade, em sua dimensão civilizatória e po- lítica, pouco se enquadra na realidade desses indivíduos. Há nesse universo uma verdadeira lógica de funcionamento que vai além das possibilidades. Como habitar a rua, um lugar aparentemente inabitável? Foi a partir dessa indagação que nasceu este artigo, parte do trabalho de pesquisa “Trans- formação do espaço público em privado”, desenvolvido por estas autoras e que buscou mostrar a realidade de pessoas que transfor- mam o espaço público em privado. A relação que o homem estabelece com o es- paço que ocupa é uma das mais importantes para a sua sobrevivência. As mudanças de comportamento social foram sempre prece- didas de mudanças físicas e de local. Quando o hominídeo que nos antecedeu “caiu” da árvore, ou seja, passou a viver em terra firme e não em cima das árvores, precisou passar por uma série de transformações. Dentre elas, aprendeu a lidar com objetos da cultura, viver em sociedade e fixar-se em um local, quando deixou de ser nômade. Essas mudanças não foram apenas físicas, não nos tornamos bípedes e simples- mente endireitamos nossa colu- na. As noções de espaço, sempre precedidas pela noção de tempo, foram um pré-requisito que precisou ser aprendido 1 . Morar na rua não exige apenas uma mudança física de local, é antes de qualquer coisa uma mudança profunda na vida des- sas pessoas, e exige retorno a alguns comportamentos primitivos como o nomadismo, a falta de segurança e o gosto pela liberdade que já tivemos um dia. Morar na rua é projetar significado de lugar a um espaço, respeitando as diferenças que existem entre os dois conceitos, já que espaço é algo físico, um local geográfico, enquanto o lugar é o espaço que tem sentido, significado pessoal (HILLMAN, 1993). Os moradores de rua fazem do local mais funcional, a rua, seu mais significativo lugar, a casa. Por mais que a rua não seja o local ideal para se viver, já que se trata de um ambiente público, local de pas- sagem e não de permanência, ela acaba sendo, Omoradorderuacontinua nômade como o vento, não temcomo se segurar omundoqueocerca.Sua existência é fluida e não deixarávestígios,poisnão há uma mediação que o faça. Ele é o retorno ao nosso antigo espírito nô- made, onde seu espaço- tempo é o de caminhar. } Os bárbaros que atacaram a civilização já vieram, em outros tempos, de fora das muralhas. Hoje em dia eles brotam de nossos colos. ~ J ames H illman

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