Revista da ESPM Julho-Agosto_2010
julho / agosto de 2010 – R E V I S T A D A E S P M 79 nidade, está no registro daquilo que não pode ser narrado, compartilhado com outros, um mundo marcado pelo silêncio e pela violência” (BARROS, 2004, p. 10). O processo de civilização por que passamos ao longo de milhares de anos não excluiu os moradores de rua, por mais que eles vivam em condições precárias, o que, para muitos, mais se parece comuma desordem completa. Amaneira como ressignificaramo único espaço que lhes foi permitido ocupar nos mostra que conseguiram transformá-lo em seu “lugar”. Com isso, conse- guiram torná-lo um pouco mais suportável, um local que lhes dá sentido, no qual conseguem se encontrar como seres humanos. Porém, esses homens castigados, segregados, vivendo em péssimas condições, são a prova de que o ser humano consegue adaptar-se às mais diversas situações e aproximar, cada um à sua maneira, os dois mundos aos quais estamos inseridos: o público e o privado. A rua exige de quem a ocupa uma constante interpretação da realidade circundante. O es- paço é uma espécie de requisito social, além de uma necessidade biológica e psicológica dos seres humanos. Quando se perde a rela- ção organizada com o espaço, a relação com o tempo também se desorganiza. A sintonia que o ambiente apresenta é fruto dessa influência que um exerce sobre o outro. Estão ali e não podem mais se dissociar. Com o tempo, eles passam a depender do seu espaço, a apegar- se e lhe conferir um sentido, que só pode ser completamente entendido por aquele que está inserido na situação. O lugar é uma produção de sentido em cima de um ser, uma coisa, um objeto. Para o restante da população existe um processo de degra- dação do espaço público, não existe forma de vínculo, como afirma Maurício Ribeiro: senão a única, a mais viável opção para algu- mas pessoas. A “casa” desses moradores de rua, algumas vezes tem a divisão convencional que estamos acostumados a ver, apesar de não terem paredes, janelas, ou qualquer estrutura que delimite o espaço. Ponto de maior intros- pecção e aconchego e lugar em que sonhamos (despertos ou quando dormimos), a habitação representa um ponto base. E é por isso que ad- quire uma importância maior, merecendo um cuidado especial para harmonizar a vida. “O quarto de dormir tornou-se uma das áreas mais ‘privadas’ e ‘íntimas’ da vida humana. Suas paredes visíveis e invisíveis vedam os aspectos mais ‘privados’, ‘íntimos’, irrepreensivelmente ‘animais’ da nossa existência à vista de outras pessoas” (ELIAS, 1990, p. 164). Para eles, mo- radores de rua, suas rotinas são semelhantes às de qualquer cidadão comum que vive entre quatro paredes. “Omundo da rua, saturado de uma experiência da invisibilidade e da inuma- A fidelidade aos locais de dormir e comer garantem que moradores de rua criemumtangenciamento com seu lugar de “sacrifí- cio” (do grego, tornar-se sagrado), mas que não é de propriedade exclusiva de quem habita o espaço queépúblico,nãoprivado. Photodisc
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