Revista da ESPM Julho-Agosto_2010

R E V I S T A D A E S P M – julho / agosto de 2010 86 ES PM MarioGibsonBarboza, que foiministro entre 1969 e 1974, disse: “ser diplomata é ter a humildade de se converter num especialista emgeneralidades, emsaber pouco de muito, em vez de muito de pouco, ao contrário, portanto, do que caracteriza o técnico.” Este conceito, tão eloquentemente enunciado, era dominante no Itamaraty e bastante adequado às demandas nacionais da época mas, emminha opinião, já está ultrapassado pelas circunstâncias da diplomacia moderna. Creio que é realmente indispensável promover uma especialização muito maior sistemática dos diplomatas brasileiros. Todos os grandes temas da agenda internacional sãohoje tratados em níveis de grande especialização. Negociações sobre direitos humanos, mudanças climáticas, não proliferação de armas nucleares, comércio internacional, finanças passam-se em organismos especializados onde todos os países relevantes são representados por peritos que passam grande parte de suas carrei- ras tratando apenas destes assuntos e, portanto, adquiriram deles um conhecimento profundo, além de estarem muito relacionados entre si. É cada vez mais difícil para um novato conseguir afirmar-se nos foros internacionais sem estas qualificações prévias. Os diplomatas brasileiros, por sua competência e empenho, ainda conse- guem esse objetivo. Mas é bom ressaltar que já existe na prática um grau bastante grande de especialização, emparticular na áreade comércio internacional onde o Brasil tem, há muitos anos, papel de relevo maior do que as suas cifras po- deriam permitir. Muitos diplomatas brasileiros têm militado neste campo desde as décadas de sessenta e setenta. Um novo olhar para o futuro é necessário, em especial porque nosso país vai desfrutando gra- dualmente deuma influência e responsabilidade superior às que jamais tevena cena internacional. Uma reestruturaçãoprecisa sempre, contudo, ser feita com critério e cuidado para não abalar os fundamentos do serviço diplomático brasileiro, que há dois séculos vemprestando bons serviços àNação. Somenteuma reflexãoemprofundidade e um debate amplo podem permitir os rumos a seguir, pois terão que ser reavaliados elementos fundamentais como a nomeação para postos no exterior e no Brasil, promoção a níveis superiores da carreira, critérios de avaliaçãode desempenho e outros. Um risco muito presente no processo atual de expansão dos quadros e das embaixadas é que sejam feitas menores exigências de qualidade tanto para o ingresso quanto para a evolução profissional dos diplomatas. Aí sim há risco de desvirtuamento do elevado padrão de qualifica- ção que sempre assinalou a carreira. OMinistério das Relações Exteriores não émais, há algumas décadas, uma instituição singular no Estadobrasileirodopontode vistadaqualificação de seus funcionários de carreira. Órgãos como o Ministério do Planejamento, a Receita Federal, a Secretaria do Tesouro, o Banco Central e vários outros –para citar apenas algunsdosque conheço melhor por haver trabalhado comeles – possuem quadros altamente qualificados e carreiras bem definidas. Para o Itamaraty, o desafio é manter um alto nível de competência. Se não capaz de atender aos imperativos do presente, ele será gradualmente marginalizado e perderá suas atribuições de principal responsável, no Estado brasileiro, por negociações internacionais em variados terrenos. Confio, porém, que, como sempre no passado, a Casa de Rio Branco saiba encontrar seus caminhos de renovação. A Ordem de Rio Branco é destinada a premiar os que, por qualquer moti- vo ou benemerência, se tenham tornadomerece- doresdoreconhecimento do Governo Brasileiro, servindoparaestimular a prática de ações e feitos dignos de honrosa men- ção, bem como para dis- tinguirserviçosmeritórios e virtudes cívicas. LUIZ FELIPE LAMPREIA Embaixador, ex-ministro das Relações Exteriores e professor associado do curso de Relações Interna- cionais da ESPM.

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