Revista da ESPM MAI-JUN_2008

10 R E V I S T A D A E S P M – MAIO / JUNHO DE 2008 Entrevista GRACIOSO – Não mudou muito... DAMATTA – Não mudou nada. Em 1979, ninguém leu o livro, quem leu não entendeu e algumas resenhas foram negativas; teve um rapaz d’O Globo que me achou “pretensioso”, porque no início do trabalho eu dizia que “meu livro se reunia a outras interpretações do Brasil” e citava os autores que me tinham precedido, como Gilberto Freire, Sergio Buarque de Holanda, Florestan Fernandes –,o rapaz achou pretensioso porque isso faz parte do mundo acadêmico, não faz parte do mundo jornalístico, em que o editor da revista Veja redesco- bre o planeta todas as semanas... No mundo acadêmico, você caminha numa escada: o sujeito passa pelo degrau que o outro já passou e era exatamente o que eu estava fazendo. Naquela época, também era jovem e tinha a minha cota de ambição, intemperança; queria “dar o meu recado”, como se diz. Mas, o ponto de partida foi o meu estudo de socie- dades tribais no Brasil – os gaviões, em 1960, e de 1962 até 1970, em 1980, mais ou menos, os apinagés, que eram de Goiás. Essa visão bali- zou a tentativa de usar a experiência da antropologia para entender uma sociedade complexa. JRWP – É curioso, mas vivendo em São Paulo tenho a sensação de conhe- cer italianos, libaneses, japoneses, africanos, enfim, mas só conheço os indígenas pelos nomes das cidades do interior paulista. Esses povos, para mim, são tão estranhos quanto os esquimós. Será que existe algo de concreto nessa minha percepção? DAMATTA – Acho sua pergunta inte- ressante; dá para fazer uma pesquisa. Existe etnologia no Brasil desde que existe faculdade de Filosofia, a partir da década de 30. Um dos estudiosos que iniciamessa idéia de que o “Brasil é feito de três raças” foi o alemão Von Martius, em um ensaio para o Instituto Histórico e Geográfico que disse que “o Brasil é dividido em negros, brancos e índios”. Foi ele que escreveu um dos primeiros livros sobre o Xingu que, naquela época, os alemães chamavam naturvolk . Para tentar entender o Brasil, eu fiz o estudo dessas sociedades tribais. Eu sabia que não há muito interesse por isso, ao contrário – escrevi isso, semana passada, na minha coluna, até hoje são vistos como “obstáculo ao progresso do país” – apesar do Brasil estar sendo governadopeloPartidodos Trabalhadores que tem, teoricamente, uma abertura enorme... JRWP – Na nossa história, os traba- lhadores não teriam sido justamente os negros e os indígenas? DAMATTA – Depende. Apesar de estarmos sendo governados por um partido de esquerda, fundado por uma intelectualidade de esquerda, comabertura para “o outro”, amulher, o velho, o estrangeiro, o explorado trabalhador, os índios só aparecem em “livros de mesa de chá”, álbuns de fotografia, comaquelas fotos mara- vilhosas dos xinguanos fantasiados de selvagens, nus etc. As pessoas olham e as crianças não podem ver direito porque aparece isso e aquilo...A igno- rância é imensa, é uma área que se precisava conhecer melhor. Sabemos “OS ÍNDIOS SÓ APARECEM EM ‘LIVROS DE MESA DE CHÁ’.” Google images

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