Revista da ESPM MAI-JUN_2008

Roberto DaMatta 13 MAIO / JUNHO DE 2008 – R E V I S T A D A E S P M JRWP – Se eles foram capazes até de dividir o mundo em duas partes: uma para Portugal, outra para Espanha.Mas você citouo livrodoGilberto Freire, de 1933, e você deve ter acompanhado, na imprensa, que se comenta que a candidatura do Obama, nos Estados Unidos, foi, de alguma forma, profeti- zada pelo nosso Monteiro Lobato... DAMATTA – Com a devida vênia, a primeira pessoa que escreveu isso fui eu, na minha coluna. JRWP – Pois é, mas o livro O presi- dente negro de Lobato foi escrito em 1926. DAMATTA – E é um texto marcada- mente racista. Quer dizer, do racismo que, inclusive, é aprendido com a experiência americana que, depois, ele virá a ter. Ele é um dos primeiros intelectuais brasileiros comessa expe- riência americana. JRWP – Nesse livro parece claro que Lobato achava – e seus contemporâ- neos também – que a sociedade brasileira se enfraquecia, pela mis- tura de raças. Será que houve uma mudança nessa visão, a tal ponto que, hoje, uma nação com diversi- dade de povos, de culturas, como o Brasil ou os Estados Unidos, seriam potencialmente mais ricas? DAMATTA – São questões que depen- dem muito do nível em que vocês as observam. O problema das ciências sociais, o problema quando se fala em identidades nacionais, éticas, quando se fala em raças e etc., é que todos te- mos alguma experiência com isso. Isso é diferente de discutir a publicidade nos seus aspectos técnicos, onde eu não poderia dar nenhuma palavra, ou discutir economia, anatomia humana, como especialistas. JRWP – O exemplo é perigoso porque todo mundo acha que en- tende de publicidade... DAMATTA – Mas a Petrobras não vai me dar uma verba de 50 milhões de publicidade para eu fazer uma coisa antropológica... Mas a sua pergunta é bem colocada porque, como somos uma sociedade fundamentalmente hierárquica, aristocrática, este foi um hóspede que não entrou nas nossas discussões da democracia – exata- mente porque a democracia brasileira foi construída hierarquicamente, porque é assim que o Congresso Na- cional funciona, é assim que, aqui, as instituições funcionam. Nós reagimos de maneira contundente, às vezes, quando se coloca a questão do indí- gena. Está respondida a sua pergunta “porque não conhecemos os indíge- nas”; não conhecemos os indígenas porque eles esfregam, diante dos nos- sos olhos hierarquizantes, individuali- dades culturais que nós não queremos conhecer; do mesmo modo que não queremos conhecer os pomeranos que moram em Santa Catarina. Qualquer enclave étnico é insultante para o bra- sileiro normal, para a suamentalidade, para a paisagem brasileira que se vê, a si própria, como um amálgama. A imagem clássica é do híbrido, do mestiço, do mulato. Nós somos um pouco de cada coisa e isso, evidente- mente, tem um elemento de verdade, depende da perspectiva em que você lê.Você diria paramim“é anti-moder- no, Professor”. Tenho um trabalho que escrevi e apresentei no Centro de Estudos Brasileiros deOxford, emque eu falava do Brasil no limiar do Século XXI. Eu comentava que foi o fardo para os intelectuais brasileiros, comoMon- teiro Lobato, para toda a inteligência brasileira; tínhamos de carregar o sangue do índio, que era preguiçoso, ignorante e selvagem; o sangue do negro que era pior ainda, e o sangue do português que, além de tudo, era uma potência acabada e de segunda classe – que se misturava – não era como os ingleses e os holandeses que tinhama segregação. É extremamente contraditório para nós, essa visão de que somos constituídos de pedaços de negros, brancos e índios. Pode ser, um dia, até vantajoso, um tesouro in- calculável, porque não sabemos o que vai acontecer no próximo século. Mas no Século XIX era terrível. No racismo europeu – e, sobretudo, no racismo americano – o mestiço é negativo. A idéia clássica do Gobineau – que de- pois foi elaborada e re-elaborada com extremo cuidado, até com medidas “ATÉ HOJE, CASA GRANDE E SENZALA É UM LIVRO MALDITO PARA MUITA GENTE.” Google images Ð

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