Revista da ESPM MAI-JUN_2008
Roberto DaMatta 15 MAIO / JUNHO DE 2008 – R E V I S T A D A E S P M fez, e não era para ter feito, fechou o Congresso, provocou um golpe “os militares eram isso, a Marinha bombardeou não sei quem”. Mas a igualdade ficou como um hóspede não convidado, do tipo “no dia em que o Brasil for desenvolvido, natu- ralmente a igualdade virá”. Ela não vem, está provado; porque, se você tem uma sociedade hierarquizada, em que cada grupo tem o seu lugar, mesmo que você cresça, é evidente que a riqueza vai entrar nos nichos pré-estabelecidos – o do povão é do povão, o meu é o meu, o seu é o seu. Quem é jornalista, quem é publicitário, cada um pega a sua fatia e vai, evidentemente, aumentando. É claro que isso passa para a sociedade como um todo, mas passa até hoje através de canais informais: quando nós damos um bônus para os nossos empregados, porque ganhamos mais do que esperávamos; então passa para o motorista, porque a gente tem uma relação de intimidade com essas pessoas. A marcação aristocratizante e hierárquica é de tal ordem pode- rosa que eles não nos ameaçam; eles podem assistir televisão junto com os nossos filhos, podem ser nossos ami- gos – como eram os escravos naquela época, os escravos “da casa”, os em- pregados –mas a casa continua sendo uma unidade fundamental. Acho que o foco é essa impessoalização. Meus colegas não entendem que eu sou favorável às cotas, não por causa das cotas – porque sei que a idéia de raça é um conceito europeu – mas a ação afirmativa é importante porque nos obriga a entrar na discussão da igualdade. JRWP – Ninguém é contra a ação afirmativa, por exemplo, em relação ao deficiente físico. DAMATTA – Creio que o nosso maior problema, neste século XXI, é o da igualdade, que perturba todos os par- tidos, perturba, sobretudo, a esquerda que é aristocrática. É o radicalismo chic. JoséMurilo de Carvalho, em seu livro A formação das almas , demons- tra, estatisticamente, que toda a elite brasileira estudou em Coimbra, razão pela qual se tem uma enorme unidade de pensamentos, valores, conceitos jurídicos com implicações práticas nos litígios de propriedade, nas discussões de herança, de como se organiza um banco, um mer- cado de capitais, os investimentos. A partir do final da República não é mais Coimbra, e sim a Faculdade de Direito do Largo de São Francisco e, depois, em meados do século XX, a USP, como formadora de uma inteligência desenvolvimentista brasileira – e toda ela neo-marxista com um mesmo pensamento, que é também neo-cristão, onde o po- bre é uma categoria privilegiada, nesse pensamento, e todos nós, as pessoas que escrevem, se colocam mais ou menos sob suspeição. Há, também, uma unidade muito forte, embora seja um centro de formação intelectual criativo, brilhante, com muita coisa original. GRACIOSO – Essa mentalidade formou centenas de milhares de professores. JRWP – E influencia os jovens até hoje. DAMATTA – Exatamente, e até hoje se descobre com um certo senti- mento de culpa (estamos virando capitalistas depressa demais). JRWP – No fundo, você está di- zendo que precisamos é de mais diversidade. DAMATTA – Mais diversidade e mais igualdade, mais autonomia individual em todos os níveis. Na nossa Univer- sidade, não inventamos quase nada. Há várias áreas em que somos bem “SOMOS UMA SOCIEDADE FUNDAMENTAL- MENTE HIERÁRQUICA, ARISTOCRÁTICA.” Obra: Pedro Américo,“O Grito do Ipiranga” Ð
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