Revista da ESPM MAI-JUN_2008

61 MAIO / JUNHO DE 2008 – R E V I S T A D A E S P M Humberto Marini Filho Davis para suportar seu projeto de pro- gresso econômico. Ria de quem o chamasse visionário. Pois via tudomuito simples: país pobre, bastava tirar da terra as riquezas ocultas para enriquecer e abrir escolas, propor- cionar saúde e saneamento, tornar os brasileirosmaishonestos (combonsem- pregos e o bolso cheio de dinheiro nin- guémprecisaria roubar, emseu ingênuo modo de raciocinar). Escarninho com os descrentes de toda hora, navegava a pleno vapor no sonho de criar uma bra- silidade possível de garimpar nas águas limpas da prosperidade econômica. As águas sujas da pobreza, analfabetismo e corrupção foram aquelas de onde pescou o Jeca Tatu para escarmentá-lo comoantítese indesejável doverdadeiro brasileiro em potencial. Ao perseguir o fundamento da identi- dadebrasileira,MonteiroLobatoatende ao instinto de poder orgulhar-se de si mesmo como indivíduo. É com esse sextante que equipa a Barca de Gleyre para a viagemquedurouquarenta anos até o triste encalhe do fim. A Barca de Gleyre é um livro precioso, talvezaúnicaobradeformaçãodenossa literaturaquenospermiteacompanhara evolução de um intelectual, da infância ao final da vida. Seu ponto de partida é simples e objetivo: “ Não somosAINDA uma Nação, uma nacionalidade ”. O destaque no advérbio de tempo é para assinalar que o quando importa, pois o que Lobato tinha em mente era exata- mente dar um jeito nessa lacuna. Na verdade, nem ele e seus predeces- sores, nem contemporâneos e pósteros como Villa-Lôbos, Di Cavalcanti e os teóricos do ISEB Instituto Superior de Estudos Brasileiros), chegaram a pôr a mãonoCáliceSagradodanacionalidade brasileira, emboraacrençadeandar por pertoosmantivesseacesosnaesperança dealcançá-lo.Ealgunspretenderamtê-lo feito, comomesmo regozijodos desco- bridores embarcados empromessas de ouro e pedrarias.Aesses deslumbrados se poderia lembrar a advertência sutil de Pero Vaz de Caminha: “Isto tomá- vamos nós por assim o desejarmos” (Carta de PeroVaz de Caminha). A atividade econômica – pregava Lobato – devia ficar a cargo de par- ticulares, reduzindo-se o Estado às funções precípuas de defesa nacional e criação de infra-estrutura. Odiava o Estado arrecadador que ele desenhou, a partir do Reinado de Dom João Ria de quem o chamasse visionário. Pois via tudo muito simples: país pobre, bastava tirar da terra as riquezas ocultas para enriquecer e abrir escolas, proporcionar saúde e saneamento, tornar os brasileiros mais honestos (com bons empregos e o bolso cheio de dinheiro ninguém precisaria roubar, em seu ingênuo modo de raciocinar). Odiando o traiçoeiro bucolismo que deixou para trás (sem deixar de o pintar com cores ter- ríveis no livro de estréia sob o título aliciante de Urupês ), foi para São Paulo e lançou-se na catequese nacionalista. Ð Ilustração: Miriam Duenhas

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