Revista da ESPM MAI-JUN_2008

Roberto DaMatta 9 MAIO / JUNHO DE 2008 – R E V I S T A D A E S P M JRWP – Público e privado é coisa de inglês? DAMATTA – Público e privado é coisa de inglês individualista, de sociedade individualista em que o sujeito tem autonomia, as relações não pesam tanto. No Brasil, temos o público, o coletivo e o íntimo. JRWP –Você acha que o brasileiro tem uma tendência a ser “dependente”? DAMATTA – Diante da rede de re- lação não “tem tendência”. Somos criados para sermos dependentes. O que se chama de altruísmo no Brasil é exatamente proteger os amigos; na hora do pega pra capar, tem de ficar do lado dos compa- nheiros, dos amigos... JRWP – Mas significa também estar habituado a ser protegido por alguém? DAMATTA – Ser protegido e proteger – Lealdade e Obediência devia ser o lema, não Ordem e Progresso. GRACIOSO – O World Economic Forum estabelece diferenças entre os povos, que explicariam por que uns se destacam e outros não. Uma é a educação formal; outra é a cultura, os valores e crenças e, finalmente, a capacidade que os povos têm de serem objetivos, e aproveitar em seu benefício os resultados da ciência, da inovação. Na nossa sociedade, essa dependência de que você fala pode ser traduzida como falta de iniciativa, falta de confiança em si mesmo.Você poderia desenvolver este tema? DAMATTA –Omeupontode partida é o de uma sociologia que apareceu no Século XIX que é fundamentalmente comparativa, e se chama Antropolo- gia Cultural ou Social, ou Etnologia – como os alemães chamavam. Por que fundamentalmente comparativa? Porque não existia como disciplina; os fundadores eram pessoas interes- sadas em história: um era um polonês radicado na Inglaterra e tinha se for- mado em física, o Malinowski; outro foi o Franz Boas um alemão formado em geografia, que foi para os Estados Unidos. O Malinowski foi parar na Melanésia. A Inglaterra entrou em guerra com a Polônia e ele foi inter- nado na Austrália. Por ter ficado mais tempo do que precisava, descobriu muitas coisas sobre sociedades primi- tivas. O Boas fazia um levantamento topográfico na Groenlândia, entrou em contato com grupos de esquimós e descobriu que eles erammuito mais parecidos com os alemães do que ele podia imaginar. Então, escreve cartas maravilhosas para a noiva, dizendo: “os esquimós, que chamamos primi- tivos, são iguais a nós, tem gente boa e ruim”. Bastou tirar a casca do encontro cerimonioso e penetrar um pouco mais na sociedade considerada selvagem, para descobrir uma humanidade com muitos pontos em co- mum. Depois, partiu para estudar sociedades tribais do noroeste dos Estados Unidos, mas fez questão de começar aprendendo pela língua, estudando a língua. JRWP – Em que época foi isso? DAMATTA – Final do Século XIX, início do XX. Acabou sendo um dos fundadores da Linguística como ciência, o estudo das línguas. Foi uma descoberta importantíssima de dois alunos do Franz Boas: o Ben- jamin Whorf, que era um agente de seguros e foi estudar na Universidade de Columbia, e o Edward Sapir. Conceituaram que “a língua não é simplesmente um instrumento de comunicação, é uma classificação, uma visão demundo”. Eles estudaram as línguas indígenas americanas e desenvolveram a famosa hipótese Sapir-Whorf. Essa importância dos valores da cultura com um condi- cionante de diálogos é o meu ponto de partida e tem a ver com a minha visão da sociedade brasileira, que escrevi nos ensaios reunidos no livro Carnavais, Malandros e Heróis , no capítulo em que estudo, num ensaio, o famoso Você sabe com quem está falando? , que é de 1979. “PÚBLICO E PRIVADO É COISA DE INGLÊS INDIVIDUALISTA.” Google images Ð

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