Revista da ESPM MAI-JUN_2008
99 MAIO / JUNHO DE 2008 – R E V I S T A D A E S P M Gianni Vattimo Aindaassim,queroalertarparaoriscode o pensamento fraco acabar adquirindo o mesmo caráter definitivo e absoluto, o mesmo sentido forte de verdade ao qual se opõe, o que iria contra seus próprios pressupostos. Cumpre repetir, “não somos Deus”, e por isto devemos estar conscientes de que, ao falarmos de enfraquecimento, multiplicidade, fragmentação, emancipação, estamos falando de dentro do processo mesmo no qual esses eventos se dão. Por tal razãoéqueo pensamento fraco tornou- se o pensamento dos fracos , uma vez que não existemais uma visão objetiva, uma única forma de interpretação, a verdade. E quando se diz que existe uma multiplicidade de verdades, qual delas nós escolhemos? Qual devemos seguir? Tendo feito a minha escolha, contra quem me coloco, e a favor de quem?Nãomaisexistindoumaverdade absoluta, objetiva, colocamo-nos do lado dos mais fracos. No fundo, este é o discurso sobre a pós- modernidade, interpretada por muitos comoumafilosofiatranqüilizante.Afinal se existem vários pontos de vista sobre omundo, tudoépermitido.Masemrea- lidade, quem afirma isto, com base em qual critérioobjetivo julga tranquilizante talvisãodemundo,jáquenãomaisexis- tem critérios absolutos? Existem várias interpretações do mundo, mas baseado emquevocêafirmaisso?Oimportanteé que ocorre, hoje emdia, umconflito es- sencial entreaquelesquesãoportadores de verdades alternativas e os defensores daverdadeúnicaeabsoluta,conflitoeste que ilumina a diferença entre o pensa- mento fraco dos fracos e o pensamento fraco da tranquilização . Gostaria de comentar rapidamente, também, minha experiência recente comodeputadodoParlamentoEuropeu, quandotiveaoportunidadedeconhecer osmecanismosdapolítica.Conhecendo depertoamáquinadopoder, tornei-me fanaticamentecomunista. Aexperiência foi decisiva paramaturar o pensamento fraco que eu já vinha esboçando, e que tomou forma através da releitura que fiz das obras de Heidegger e Walter Benjamin. Heidegger, por um lado, ensina que não esquecer o Ser para além dos entes implica indagar-se sempre o que é este horizonte dentro do qual os entes aparecem. O que não é muito diferente da crítica à ideologia produzida em Marx, posto que, como afirma o teórico do comunismo, enxer- gamos as coisas com os olhos de uma determinada classe social, para a qual uma ideologia não pode ser vista como sendo efetivamente a única possível, como verdade objetiva. Quando Heidegger falar sobre não es- quecer o Ser, diz tambémque é preciso escutar o silêncio, pois o ente que se encontra perante nós está o tempo todo falando,enquantoohorizontetendease esconder. A ideologia emMarx é a falsa consciência que, na verdade, ignora a si mesma. Atrás dela há o silêncio. Mas o silêncio em Heidegger não deve ser interpretado como misticismo barato. Numa conferência na década de 60, ele advertiu que escutar o silêncio não significa fazer mística. Eu tendo a as- sociar esta idéia à dissertação de Ben- jamin acerca das teses sobre a filosofia da história, na qual Benjamin diz que a revolução, mais do que se inspirar em um pensamento a ser realizado, numa ideologia forte, se inspira no silêncio dos fracos que foram silenciados. Existe aí um sentimento de piedade, uma certa compaixão por aqueles que foram oprimidos,calados,queforamexcluídos da história. Heidegger aliou-se aos nazistas durante algum tempo, mas isto deve ser contextualizado num período histórico emque Ernest Bloch eGeorg Lukács foramstalinistas. Esses filósofos abraçaram projetos políticos catastróficos. Por fim, me recordo de uma ocasião em que discuti duramente com Jürgen Habermas, filósofo alemão e último representante vivo da chamada Escola de Frankfurt, à qual tambémpertencem Walter Benjamin e Theodor Adorno. Falei para ele que, se eu estivesse no debate entre Heidegger e Ernst Cassirer em Davos, em 1930, teria ficado ao lado de Heidegger, que não tinha se tornadoaindanazistae, naquelaépoca, era mais revolucionário que Cassirer. Naquela época, o intelectual modelo era justamente Cassirer, que não era nem nazista nem comunista, mas um conservador esclarecido, neokantiano (ainda que fosse um rico hebreu de Hamburgo), enquanto Heidegger era oriundo da Floresta Negra. Habermas criticou minha posição, porque para ele o Humanismo é a coisa mais im- portante e está acima de tudo. Ainda assim, quero alertar para o risco de o pensamento fraco acabar adquirindo o mesmo caráter definitivo e absoluto, o mesmo sentido forte de verdade ao qual se opõe, o que iria contra seus próprios pressupostos. ES PM
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