Revista da ESPM - MAR-ABR_2008

133 MARÇO / ABRIL DE 2008 – R E V I S T A D A E S P M Hermano Roberto Thiry-Cherques a origem da inteligência é o amor, a dedicação. Que a inteligência não é anterior e, portanto, não pode ser superior ao eros e à filia. Segundo, descobrimos, por meio da história de Enkidu, que então se acreditava que a perda da inocência domestica o espírito selvagem. Os elementos são os mesmos da Bíblia, escrita três mil anos depois. Mas a estrutura parece muito mais atual. Evidencia o absurdo que é o papel atribuído a Eva. Porque é um contra-senso que uma mulher tenha sido a portadora do mal e do pecado. Obviamente a história de Enkidu e não a da Bíblia é a história verdadeira. É claro que a mulher não é a portadora do mal, mas do bem; do amor e da humanidade. Os redatores da Torá ouviram mal o Espírito Santo, que jamais cometeria um engano desses. Tendo ultrapassado o relato da Cria- ção, Smith seguiu febrilmente com o seu trabalho. O que o estimulava era a familiaridade do que lia. A estrutura da epopéia nada tinha que fosse inteiramente original, ainda que tivesse permanecido inédita por milhares de anos. Esta familiaridade, esclareceria, quase cem anos depois, Claude Lévi- Strauss, tomando emprestadas as idéias de Saussure, deriva do fato de que todas as histórias, lendas e mitos são inteligíveis porque trazem com eles a razão humana. O movi- mento estruturalista sustenta que o significado de um mito não está localizado no conteúdo manifesto da narrativa, mas na sua estrutura mais profunda, na sua lógica interna. Por isto a história de Gilgamesh não parecia estranha a Smith. O texto continuava. Depois do fenômeno da humanização de Enkidu, aconteceram várias coisas, até que ele foi levado à cidade onde reinava o grande Gilgamesh. Ambos eram muito fortes e tinham o que hoje chamaríamos “espírito de liderança”. Logo descobriram que eram irmãos, de modo que, inevitavelmente, terminaram por se desafiar. Lutaram ferozmente, infinitamente, até ficar claro que nenhum dos dois podia ganhar, porque ambos tinham a mesma força. Então se tornaram amigos. Seguiam-se várias peripécias em que os dois heróis dividiam o pros- cênio. Mas um dia Enkidu morreu. Gilgamesh ficou muito triste. Na sua dor, decidiu que não queria Este episódio tem a mesma estrutura da Que- da de Adão, só que contada ao contrário. Além de muito bonito é, também, revelador. Através dele confirmamos a antiguidade da noção de que o que faz a humanidade no homem é a razão, a inteligência. Ð

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