Revista da ESPM - MAR-ABR_2008

135 MARÇO / ABRIL DE 2008 – R E V I S T A D A E S P M Hermano Roberto Thiry-Cherques Ele era tão dedicado que, apesar de ser um modesto autodidata, conse- guiu juntar-se à equipe de Rawlison como assistente na decifração. Revelou-se um profissional extrema- mente útil. Podia recordar o lugar e o conteúdo de todas as tábuas que havia decifrado. Era um obstinado, um teimoso. De tal maneira que, desolado por ver o trabalho de tanto tempo ficar incompleto, e, mordido pela curiosidade, decidiu ir por conta própria à Mesopotâmia procurar o fragmento perdido da 11 a tabua. Smith tinha consciência do des- cabido da sua presunção. Ele ocupava um posto secundário. Além disto, ninguém pensaria em bancar uma expedição ar- queológica de um simples fun- cionário sem títulos. Mas, na sua obstinação, foi aos jornais, foi aos financiadores, fez um escarcéu, perseverou contra tudo e contra todos até obter o que parecia im- possível: financiar uma viagem ao sítio arqueológico de Nínive. Com a ajuda do Daily Telegraph e com uma licença de seis meses dada pelo Museu Britânico, Smith chegou a Constantinopla em 1873. Perdeu um tempo enorme para obter a autorização do governo otomano. É que a Sublime Porta desconfiava, com razão, de ladrões que se faziam passar por eruditos e que alimentavam um florescente mercado negro de tábuas em escrita suméria. Mas ao cabo de dois me- ses de idas e vindas, com a autori- zação em mãos, Smith montou em um cavalo pela primeira vez na sua vida e dirigiu-se às ruínas de Tell all Kuyunjik, na margem do Tigre em frente à Mosul, onde jaziam as ruínas da antiga Nínive. Outra parte da saga aguardava Smith em Kuyunjik. O que ele encontrou ali foi uma montanha de entulho imensa, que continha as ruínas de uma grande cidade. Uma montanha que mal havia sido arranhada pelos arqueólogos. Tratava-se, literalmente, de procurar a famosa agulha no palheiro. O frag- mento da 11 a tábua poderia estar em qualquer parte sob seis metros de escombros, em uma área com três milhas de lado. Poderia ter sido destruído pelo incêndio que se seguiu à tomada de Nínive, poderia, sobretudo, ter sido levado por ladrões. Sem se abalar, Smith encontrou o poço que conduzia às ruínas da Biblioteca de Assurbanipal. Logo constatou que as pedras das pare- des tinham sido removidas para servir de material de construção em Mosul. Mesmo antes de ser feita em pedaços e incendiada, a Biblioteca fora um labirinto sem fim. Chegara a ter 30.000 tábuas. Agora os elemen- tos estruturais do edifício estavam dispersos. Consistiam em uma massa amorfa que não indicava direções, que não fazia sentido, no qual se chegava descendo por um poço que não fornecia ilumi- nação suficiente. Pois neste lugar aconteceu o fato mais improvável da história da arqueologia. Quer porque tenha compreendido a distribuição da estrutura arrui- nada da Biblioteca, quer porque tenha tido uma sorte incrível, em 14 de maio de 1873 Smith achou o fragmento faltante. Ele podia, afinal, ler a continua- ção do que o havia espantado na tarde em que iniciara a leitura da tábua número onze. Ele percebera, então, uma estrutura narrativa ime- morial. Quase que a adivinhara. Mas agora podia, finalmente, ter certeza. Pressuroso, Smith separou o fragmento de outros 384 que levaria ao Museu. Então leu o que já desconfiava, mas que não podia ter certeza absoluta. No fragmento estava escrito que Gilgamesh continuou a buscar a imortalidade até que chegou à ilha onde morava o velho Utnapishtim. Perguntou a ele como conseguira a imortalidade. Utnapishtim lhe contou que vivia tranqüilamente, cuidando de sua família e da sua vida, quando Enki, o deus das águas doces, se revelou em sonho e lhe deu instruções. Utnapishtim seguiu religiosamente essas instruções: tomou toda a colheita que possuía, tomou seus filhos e noras, tomou os animais da terra, macho e fêmea, dois a dois, e os fez embarcar em uma arca. Caiu então um dilúvio Na mesma ocasião, Smith conhecera Sir Henry Rawlison, o decifrador da escrita cuneiforme. Ð Google Images

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