Revista da ESPM - MAR-ABR_2008
136 R E V I S T A D A E S P M – MARÇO / ABRIL DE 2008 As estruturas e George Smith que inundou a terra e que destruiu tudo o que nela havia. E aí estava. Smith tinha dado com este fato extraordinário: o velho era Noé. Utnapishtim era Noé! Trinta séculos antes de a Bíblia ter sido escrita, alguém havia registra- do em símbolos cuneiformes como Utnapishtim soltou uma pomba que retornou, depois soltou uma andorinha que também retornou à Arca, até que soltou um corvo, que não voltou porque as águas haviam baixado e o corvo encontrou onde pousar. Tudo estava ali. O encalhe no alto da montanha, o arco-íris da redenção, a forma como a hu- manidade pôde repovoar a terra. Não se tratava somente da mesma estrutura, mas da mesma história que consta no Pentateuco. A narrativa do dilúvio é um poema independente, inserido completo na trama da saga de Gilgamesh. É impossível dizer em que época foi incorporada ao ciclo. Mas certa- mente é tão ou mais antiga do que a epopéia. Para nós isto é curioso e é ilustrativo, porque sabemos hoje que o dilúvio realmente teve lugar na Mesopotâmia. Mas, na época, a descoberta de Smith causou furor. Ninguém, nem mesmo o maior dos céticos, havia cogitado que a Bíblia contivesse apenas uma transcrição. Muito menos que o texto sumério e a cópia bíblica seriam uma crônica de um acontecimento, e não, ou não somente, uma parábola. A epopéia não termina aqui. Utna- pishtim conta a Gilgamesh onde achar o fruto da imortalidade. Depois de várias aventuras, ele encontra esse fruto e o leva para sua cidade. Quan- do está quase chegando a casa, uma serpente devora o fruto. No Gênese a serpente tenta a mulher com o pomo da árvore do bem e do mal, que, aliás, não era uma maçã. Na Bíblia não diz que era uma maçã. De toda forma, aqui é diferente. Aqui a serpente engole o fruto da imortalidade. Gilgamesh mais uma vez se desespera, procura a serpente por todo o canto, mas termina por se conformar com o destino de todos os humanos. Aí se revela um outro elemento estru- tural das cosmogonias: a resignação, o conformar-se em não ser, em não ter, em não saber. Lévi-Strauss explicou que as estruturas profundas são com- postas de uma série de discriminações binárias: morte/vida, natureza/cul- tura, cru/cozido, selva/povoado, e de um terceiro elemento, anômalo, introduzido namediação da oposição inicial. A questão metodológica do estruturalismo é a de identificar a regra Conhecera, por acaso, em uma visita ao Museu Britânico na hora do almoço, Sir Austen Layard, o arqueólogo que anos antes trouxera para Londres as tábuas da Biblio- teca de Assurbanipal. Gilgamesh saiu à procura de Utnapishtim, o sobrevivente imortal de uma grande catástrofe, que podia lhe revelar o segredo da vida eterna.
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